Não sou um saudosista, mas admito sem qualquer dificuldade, ser saudoso de algumas pessoas que se foram, nostálgico de partes da minha vida.
Uma das pessoas que há muito se foi e que persisto lembrar, o meu padrinho, ocupou novamente as minhas lembranças quando li este post.
A meias com o meu pai, tratou ele, até à minha adolescência, da parte paternal da minha estruturação, constituindo para mim um exemplo em muitos aspectos. Sendo ele um beirão quase iletrado, poderia parecer estranha a sua ligação ás artes: foi com ele que pela primeira vez entrei em todos os poucos museus que na altura existiam em Lisboa. Era também pela sua mão, que aos domingos de manhã de sol, subia a Álvares Cabral para assistir aos concertos dados por algumas bandas – na maior parte das vezes, a da GNR ou de um ramo das Forças Armadas – no coreto do Jardim da Estrela. Aliás, esta faceta que o aflorava dominicalmente, adequava-se perfeitamente à sua ocupação diária de jardineiro, e era ele o pai do jardim, que aos meus olhos de criança, era o mais belo da cidade, com a sua variedade enorme de rosas e a alacridade dos amores-perfeitos ou dos brincos-de-princesa, e a sombra de um considerável número de árvores de fruto todas plantadas e criadas por ele, entre as quais uma ameixoeira que um ilustre botânico tinha referido como a mais imponente no seu género em toda a Península, palavras que lhe criaram uma das poucas vaidades que possuía.
Tendo uma profissão que pagava mais de forma sentimental que monetaria, a que se juntava uma pequena pensão do exército, não se podia, portanto, estender em excentricidades: Mas havia duas coisas das quais não prescindia: a boa mesa e de sair ao domingo impecável no seu fato de bom corte.
Na verdade, nesses dias, era para mim um fascínio vê-lo preparar-se para sair. Era de estatura meã –andaria pelos 1,62/1,65m de altura – ossudo mas elegante e de feições suaves, cabelo imaculadamente branco, tal como o bonito bigode, com o qual perdia bem mais de meia hora, frisando-o com um alicate quente que lhe revirava as guias para cima. Sentava-me sempre à porta da casa de banho que ele mantinha aberta a observá-lo com admiração. Foi uma espécie de cerimonial a que assisti quase até ao dia da sua partida (um dos maiores choques que senti em toda a minha vida foi vê-lo estendido numa cama de hospital já muito débil e constatar que lhe tinham cortado o esplêndido bigode, e ler-lhe o desgosto nos olhos turvos).
Depois, ia até ao quarto vestir-se. Aparecia-me dez minutos depois a cheirar a loção de barba inglesa e de fato, camisa e gravata tudo impecavelmente engomado e a dar com os sapatos, que tinham sempre um brilho incomparável. Conforme o tempo, assim usava ou não o colete do fato, e…as polainas.
O meu padrinho mandava fazer por medida e invariavelmente, 2 fatos de 2 em 2 anos: um de inverno e outro de meia estação. Do seu espólio fazia ainda parte um sobretudo de flanela de lã, também feito por medida.
Depois, havia aquele belo casaco de linho muito claro, e 2 ou 3 pares de calças de verão. Quando usava aquele casaco, finalizava o cenário com um bonito chapéu panamá branco com fumo negro.
Aliás, nunca saía de casa sem chapéu: além do panamá, possuía um cinzento muito escuro com um fumo de seda da mesma cor, e um de tons acastanhados, que usava de acordo com o fato, ambos comprados na chapelaria Azevedo.
E aqui chegados, chego também ao propósito do texto, que à pequena homenagem que presta, junta a minha perplexidade face ao quase desaparecimento dos chapéus do guarda roupa do homem de hoje, o que não deixa de ser surpreendente face ao toque de classe que dá a qualquer cenário.
Vic
Uma das pessoas que há muito se foi e que persisto lembrar, o meu padrinho, ocupou novamente as minhas lembranças quando li este post.
A meias com o meu pai, tratou ele, até à minha adolescência, da parte paternal da minha estruturação, constituindo para mim um exemplo em muitos aspectos. Sendo ele um beirão quase iletrado, poderia parecer estranha a sua ligação ás artes: foi com ele que pela primeira vez entrei em todos os poucos museus que na altura existiam em Lisboa. Era também pela sua mão, que aos domingos de manhã de sol, subia a Álvares Cabral para assistir aos concertos dados por algumas bandas – na maior parte das vezes, a da GNR ou de um ramo das Forças Armadas – no coreto do Jardim da Estrela. Aliás, esta faceta que o aflorava dominicalmente, adequava-se perfeitamente à sua ocupação diária de jardineiro, e era ele o pai do jardim, que aos meus olhos de criança, era o mais belo da cidade, com a sua variedade enorme de rosas e a alacridade dos amores-perfeitos ou dos brincos-de-princesa, e a sombra de um considerável número de árvores de fruto todas plantadas e criadas por ele, entre as quais uma ameixoeira que um ilustre botânico tinha referido como a mais imponente no seu género em toda a Península, palavras que lhe criaram uma das poucas vaidades que possuía.
Tendo uma profissão que pagava mais de forma sentimental que monetaria, a que se juntava uma pequena pensão do exército, não se podia, portanto, estender em excentricidades: Mas havia duas coisas das quais não prescindia: a boa mesa e de sair ao domingo impecável no seu fato de bom corte.
Na verdade, nesses dias, era para mim um fascínio vê-lo preparar-se para sair. Era de estatura meã –andaria pelos 1,62/1,65m de altura – ossudo mas elegante e de feições suaves, cabelo imaculadamente branco, tal como o bonito bigode, com o qual perdia bem mais de meia hora, frisando-o com um alicate quente que lhe revirava as guias para cima. Sentava-me sempre à porta da casa de banho que ele mantinha aberta a observá-lo com admiração. Foi uma espécie de cerimonial a que assisti quase até ao dia da sua partida (um dos maiores choques que senti em toda a minha vida foi vê-lo estendido numa cama de hospital já muito débil e constatar que lhe tinham cortado o esplêndido bigode, e ler-lhe o desgosto nos olhos turvos).
Depois, ia até ao quarto vestir-se. Aparecia-me dez minutos depois a cheirar a loção de barba inglesa e de fato, camisa e gravata tudo impecavelmente engomado e a dar com os sapatos, que tinham sempre um brilho incomparável. Conforme o tempo, assim usava ou não o colete do fato, e…as polainas.
O meu padrinho mandava fazer por medida e invariavelmente, 2 fatos de 2 em 2 anos: um de inverno e outro de meia estação. Do seu espólio fazia ainda parte um sobretudo de flanela de lã, também feito por medida.
Depois, havia aquele belo casaco de linho muito claro, e 2 ou 3 pares de calças de verão. Quando usava aquele casaco, finalizava o cenário com um bonito chapéu panamá branco com fumo negro.
Aliás, nunca saía de casa sem chapéu: além do panamá, possuía um cinzento muito escuro com um fumo de seda da mesma cor, e um de tons acastanhados, que usava de acordo com o fato, ambos comprados na chapelaria Azevedo.
E aqui chegados, chego também ao propósito do texto, que à pequena homenagem que presta, junta a minha perplexidade face ao quase desaparecimento dos chapéus do guarda roupa do homem de hoje, o que não deixa de ser surpreendente face ao toque de classe que dá a qualquer cenário.
Vic
Um belo texto de memórias e,também eu me espanto, pelo desaparecimento do chapéu de homem... sou das que admira, ainda, a classe que um chapéu adiciona a alguém...
ResponderEliminarMudam-se os tempos, mudam-se as vontades... o que é pena.