A leitura da Time-Out desta semana levou-me de volta ao Sudoeste donde cheguei há uns dias. Mas fui ao engano. Falavam eles de 10 razões para ir ao Sudoeste, e pensei logo que uma delas, seria o arroz de marisco - ou mesmo só o marisco, fresquíssimo, desde o inacreditavelmente barato percebes, á incomparável amêijoa - do Azenha do Mar, da D. Alzira, mesmo chegado ao Brejão e à praia do Carvalhal. Mas…desilusão. O 1º “prato” que me serviam era o intragável Mika mais a sua voz pimba, que mais pimba não há.
Mas recompus-me e logo a seguir fiz as pazes com a publicaçãozinha quando ela me forneceu alibi para um dos meus “pecados”, que é não ter conseguido até hoje, ler o “Ulisses”. Pois é, parece que não sou só eu. Partilho a fraqueza com, pelo menos, José Luís Peixoto, Miguel Sousa Tavares, José Mário Silva ou Inês Pedrosa, tudo nomes ilustres das nossas letras, o que, para mim, significa simplesmente que afinal só lêem o Ulisses pessoas desprovidas de sistema lógico de raciocínio, ou seja, perfeitos idiotas se dão ao trabalho de ler a obtusa obra de James Joyce.
Como se sabe, a Time-Out é já uma referência pelas indicações preciosas que dá, e, curiosamente, neste número fala de uma das casas de comes mais faladas da zona onde moro, o Chá da Lapa, talvez só superado em fama pelos pastéis de nata da Cristal ou pelo Chef, da Borges Carneiro, onde se comem as melhores empadas de galinha de Lisboa, ao mesmo tempo que se pode tropeçar com algum famoso, ou pretendente a tal, o que não me é muito apelativo, eu que sou um orgulhoso anónimo e sem pretensões a alpinista social. Portanto, passo geralmente ao largo. A não ser quando me apetecem mesmo as tais empadas. Ou uma chamuça.
E geralmente passo ao largo, passeando a minha fiel amiga, ao mesmo tempo que ouço em podcast episódios atrasados do Governo Sombra - aí está mais um elo que me liga ao Time-Out - que não tive oportunidade de ouvir na altura devida, mas que é um daqueles programas de rádio em que o senso de humor dos intervenientes torna os tópicos abordados intemporais. Ah! E os cromos do Markl na Comercial, claro.
Mas voltando ao Chá da Lapa, que fica a meio caminho de um dos percursos preferidos da minha pequena amiga de quatro patas, tenho que confessar a minha nostalgia quando assisto ao progressivo desaparecimento de alguns locais bem mais típicos que os actuais, e que fizeram parte da minha vida durante tanto tempo, que em alguma altura pensei que só desapareceriam quando a cidade desaparecesse ela própria. Ultimamente, por exemplo, morreu com 96 anos, o proprietário de uma das mais antigas e belas drogarias de Lisboa, e ela não lhe sobreviverá.
Mais longe ainda, e já quase completamente extintas, as velhas tabernas - havia uma espectacular, na Calçada do Castelo Picão, onde assisti a algumas das cenas mais hilariantes da minha vida, dignas de um filme da época do neo-realismo italiano - em que uma das partes era carvoaria e onde se empilhavam os barris, a outra, a taberna propriamente dita, serradura espalhada no chão, balcão - de madeira ou mármore grosseiro - largo e gasto pelos milhares de cotovelos e copos de 3 que por ele tinham passado. Numa das pontas, geralmente, uma “coluna” de petróleo, de onde o dono o “sacava” como se fosse uma “imperial”. Afinal, não havia casa na Madragoa que não tivesse o seu candeeiro a petróleo, para o caso de faltar a electricidade. Outra das inevitabilidades de uma taberna que se prezasse, era o prato dos ovos cozidos. E em casos de maior esmero do tasqueiro, um de carapaus de escabeche, que ele servia com as mesmas mãos com que aviava o petróleo ou enchia os sacos com 5 quilos de carvão. Graças, que na altura não havia ASAE.
Mas a maior peculiaridade desses locais, era o corvo á porta. Sujeito por uma das patas, o animal era o símbolo vivo das tabernas/carvoarias de Lisboa e era estimado e respeitado por toda a gente. Lembro-me que um dia, uma das minhas vizinhas, a D. Guilhermina, que tinha uma pedra de peixe no Mercado da Ribeira, levou a sobrinha que morava nas “avenidas novas” para ver o animalzinho. E não se esqueceu de lhe levar um mimo, uma lasquinha de carne de cavalo. Só que enquanto estendia o petisco ao corvo, virou, risonha, a cara para a sobrinha, como quem diz “disto não tens lá pelas tuas avenidas finas”, e na distracção, o Vicente (os corvos de Lisboa chamavam-se sempre Vicente), juntamente com o “bitoque” de cavalo, quase lhe decepava um dedo. Foi então que a D. Guilhermina deu uns gritos, ao mesmo tempo que desfiava o esmerado vernáculo herdado da sua juventude em Ìlhavo.
Espectáculo inesquecível e que decerto o Chá da Lapa nunca me proporcionaria.
Mas recompus-me e logo a seguir fiz as pazes com a publicaçãozinha quando ela me forneceu alibi para um dos meus “pecados”, que é não ter conseguido até hoje, ler o “Ulisses”. Pois é, parece que não sou só eu. Partilho a fraqueza com, pelo menos, José Luís Peixoto, Miguel Sousa Tavares, José Mário Silva ou Inês Pedrosa, tudo nomes ilustres das nossas letras, o que, para mim, significa simplesmente que afinal só lêem o Ulisses pessoas desprovidas de sistema lógico de raciocínio, ou seja, perfeitos idiotas se dão ao trabalho de ler a obtusa obra de James Joyce.
Como se sabe, a Time-Out é já uma referência pelas indicações preciosas que dá, e, curiosamente, neste número fala de uma das casas de comes mais faladas da zona onde moro, o Chá da Lapa, talvez só superado em fama pelos pastéis de nata da Cristal ou pelo Chef, da Borges Carneiro, onde se comem as melhores empadas de galinha de Lisboa, ao mesmo tempo que se pode tropeçar com algum famoso, ou pretendente a tal, o que não me é muito apelativo, eu que sou um orgulhoso anónimo e sem pretensões a alpinista social. Portanto, passo geralmente ao largo. A não ser quando me apetecem mesmo as tais empadas. Ou uma chamuça.
E geralmente passo ao largo, passeando a minha fiel amiga, ao mesmo tempo que ouço em podcast episódios atrasados do Governo Sombra - aí está mais um elo que me liga ao Time-Out - que não tive oportunidade de ouvir na altura devida, mas que é um daqueles programas de rádio em que o senso de humor dos intervenientes torna os tópicos abordados intemporais. Ah! E os cromos do Markl na Comercial, claro.
Mas voltando ao Chá da Lapa, que fica a meio caminho de um dos percursos preferidos da minha pequena amiga de quatro patas, tenho que confessar a minha nostalgia quando assisto ao progressivo desaparecimento de alguns locais bem mais típicos que os actuais, e que fizeram parte da minha vida durante tanto tempo, que em alguma altura pensei que só desapareceriam quando a cidade desaparecesse ela própria. Ultimamente, por exemplo, morreu com 96 anos, o proprietário de uma das mais antigas e belas drogarias de Lisboa, e ela não lhe sobreviverá.
Mais longe ainda, e já quase completamente extintas, as velhas tabernas - havia uma espectacular, na Calçada do Castelo Picão, onde assisti a algumas das cenas mais hilariantes da minha vida, dignas de um filme da época do neo-realismo italiano - em que uma das partes era carvoaria e onde se empilhavam os barris, a outra, a taberna propriamente dita, serradura espalhada no chão, balcão - de madeira ou mármore grosseiro - largo e gasto pelos milhares de cotovelos e copos de 3 que por ele tinham passado. Numa das pontas, geralmente, uma “coluna” de petróleo, de onde o dono o “sacava” como se fosse uma “imperial”. Afinal, não havia casa na Madragoa que não tivesse o seu candeeiro a petróleo, para o caso de faltar a electricidade. Outra das inevitabilidades de uma taberna que se prezasse, era o prato dos ovos cozidos. E em casos de maior esmero do tasqueiro, um de carapaus de escabeche, que ele servia com as mesmas mãos com que aviava o petróleo ou enchia os sacos com 5 quilos de carvão. Graças, que na altura não havia ASAE.
Mas a maior peculiaridade desses locais, era o corvo á porta. Sujeito por uma das patas, o animal era o símbolo vivo das tabernas/carvoarias de Lisboa e era estimado e respeitado por toda a gente. Lembro-me que um dia, uma das minhas vizinhas, a D. Guilhermina, que tinha uma pedra de peixe no Mercado da Ribeira, levou a sobrinha que morava nas “avenidas novas” para ver o animalzinho. E não se esqueceu de lhe levar um mimo, uma lasquinha de carne de cavalo. Só que enquanto estendia o petisco ao corvo, virou, risonha, a cara para a sobrinha, como quem diz “disto não tens lá pelas tuas avenidas finas”, e na distracção, o Vicente (os corvos de Lisboa chamavam-se sempre Vicente), juntamente com o “bitoque” de cavalo, quase lhe decepava um dedo. Foi então que a D. Guilhermina deu uns gritos, ao mesmo tempo que desfiava o esmerado vernáculo herdado da sua juventude em Ìlhavo.
Espectáculo inesquecível e que decerto o Chá da Lapa nunca me proporcionaria.
"...tenho que confessar a minha nostalgia quando assisto ao progressivo desaparecimento de alguns locais bem mais típicos que os actuais, e que fizeram parte da minha vida..."
ResponderEliminarTenho este sentimento em relação a muitos outros locais...
É sempre um prazer ler-te!
Beijinho e continuação de óptima escrita...
Olá, bela imagem...belo texto...Espectacular....
ResponderEliminarCumprimentos
gostei do teu cantinho
ResponderEliminargostei do do teu texto
beijos
Eu também, MM. Será uma coisa da idade? :)
ResponderEliminarNão, acho que há muitas coisas que se vão perdendo e com elas um pouco da nossa vida.
Beijinho
Obrigado, FSantos. A imagem, infelizmente não é minha :)
ResponderEliminarObrigado, Lmatta. É sempre bom receber algum feed-back
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