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sexta-feira, 13 de abril de 2012

O Heinkell do Pai do Raúl

Um dia destes, ouvi num programa de rádio em que era entrevistado o Júlio Isidro, este afirmar que num dos seus programas dos anos 80, O Passeio dos Alegres, se tinham conseguido enfiar 27 pessoas num Mini, o que, na altura constituiu recorde para oGuiness. Lembro perfeitamente o episódio, mas o mais importante é que a evocação me relembrou o Raul, meu amigo de infância, e o Heinkel do pai dele, que era um senhor de bigode do qual eu nunca soube a profissão (a verdade é quando somos crianças, não damos muita importância a esses pormenores).
A única coisa que me interessava do pai do Raúl, o sr. Raimundo, eram as sandes mistas que a mulher dele fazia para o nosso lanche, e as voltas que me proporcionava a bordo do seu bólide. A minha excursão favorita era quando íamos à Bobadela, onde o pai do Raúl ia mudar o óleo ou fazer a revisão ao carro. Aquilo era quase uma excursão. Ia o sr. Raimundo, claro, com o seu boné à inglesa, como ele lhe chamava, e os seus Ray Ban, a mulher, (os dois nos assentos da frente), o Raúl, a irmã do Raúl, eu, e por vezes mais uma ou outra pessoa cá atrás. E enquanto o carrinho ficava na oficina de um gajo com mau aspecto, nós íamos ao Pesudo comer bacalhau assado e febras na brasa.
Até hoje, estou para entender como por vezes se conseguia meter tanta gente naquele ovo de 3 rodas, porque de vez em quando a avó do Raúl, sogra do sr. Raimundo claro, queria ir, e ele com má cara, insistia sempre em a querer pôr entre o banquinho de trás, onde nós os 3 íamos apertadinhos, e o motor, de maneira que a velhota ia lá atrás toda amarrotada, e chegava sempre a suar por todos os lados, e com o pó de arroz a escorrer-lhe pelas bochechas.
Uma vez, também o Silvino, que era um anão que morava no rés-do-chão, soube que íamos à Bobadela e pediu boleia. O sr. Raimundo disse que sim, mas como o espaço onde costumava ir a sogra estava ocupado com um saco de batatas, ele disse ao Silvino, que só se ele fosse deitado debaixo dos bancos da frente. E lá foi o anão, coitado, todo encolhido, e o Raúl que não o gramava porque ele lhe tinha rasgado uma bola que tinha ido parar ao quintal do Silvino, ainda lhe assentou dois ou três pontapés nas costas, e pedindo-lhe sempre desculpa e dizendo que tinha sido sem querer, que era por ir um bocado apertado. Coitado, o anão chegou à Bobadela todo amachucado, e para cá já não quis boleia, veio na Camioneta dos Capristanos.
Mas havia outra coisa que me intrigava no carro: a porta era a parte da frente do carro, de modo que o carro não tinha porta-luvas. Mas do lado do sr.Raimundo, aquilo tinha uma espécie de bolsa, de onde de vez em quando ele tirava uma coisa. Aliás, acho que nunca vi ninguém tirar tanta coisa de uma bolsa tão pequena, aquilo parecia a gruta do Ali-Bábá.
Ora, houve um dia em que o sr. Raimundo se esqueceu do carro aberto, e eu decidi que era altura de saber o que realmente havia na bolsa. E descobri: uma pistola de 9mm (esta já sábia que lá estava, porque o sr. Raimundo, quando passávamos em sítios ermos e com árvores, parava o carrinho, sacava da pistola, e desatava aos tiros aos pássaros que conseguia ver), meio pacote de bolacha Maria a cheirar a mofo, dois cotonetes usados, duas revistas  da Playboy, um rolo de papel higiénico, meia carcassa com marmelada, um chave inglesa, uma garrafa de cerveja Sagres vazia e três fraldas de pano (acho que eram da sogra do sr.Raimundo).
Enfim, velhos tempos. Gostava de andar no Heinkel do pai do Raúl. Só não gostei do dia em que lhe faltou gasolina em Sacavém e eu, mais o Raúl, a irmã e a mãe dele tivemos que empurrar o carro mais de um quilómetro e sempre a subir, enquanto o sr. Raimundo ia todo repimpado ao volante, e só gritava: "Força! Estamos lá quase!"
Essa foi mesmo para esquecer!