O casal de que falo hoje, é brasileiro - nordestino, mas vivendo há muito em S. Paulo, já perderam algum do seu sotaque - simpático, bem disposto e culto. Conhecemo-lo há um par de anos numa ruazinha do nosso bairro - a Madragoa - à procura do Museu de Arte Antiga. Ele chama-se Clodovildo e ela Benta Escolástica.
Nesse dia levámo-los até ao Museu, e eles insistiram em nos voltarmos a encontrar para jantar, o que aconteceu nesse dia num discreto restaurante ali ao pé, e divertimo-nos na conversa, que foi da situação política em ambos os países, ao futebol - torcem ambos pelo Santos - e pasme-se, falou-se do acordo ortográfico, que na altura estava em discussão cá e lá. Achavam ambos que era um disparate completo. Confesso que na altura não tinha uma ideia muito definida, mas, embora nenhum dos dois fosse professor, tinham argumentos que quase me convenceram do disparatado da ideia (ainda hoje tenho muitas dúvidas).
Depois, disse-me ele a certa altura:
- Tenta escrever o que eu digo, tal qual digo, e verás para que serve o acordo.
Naquele momento, a ideia pareceu-me não fazer sentido. Ou antes escusada porque estava á vista(?): por vezes tinha alguma dificuldade em “segui-lo”
Mas neste fim-de-semana, o Clodovildo telefonou-me a dar-me novas, e a conversa - muito curta, mas concisa e elucidativa - foi de tal modo que não resisti a registar mentalmente, para desta vez sim a transcrever tal e qual me soou, e avaliar da oportunidade do acordo ortográfico.
- Oi meu chapa
- Olá, Clô. Tudo bem com vocês?
- Tudo, e por aí?
- Também, amigo
- Tchi ligo para dizê a você que eu e a Benta tâmo dji malas feita para voarmo para a Europa. Nós vamo até Paris, e djipois Madri.
- E não vêm até cá?
- A gentji ainda não sabe. Nós vamo em Paris passá uns três dia, djipois vamo em Madri, mas só por dois dia - a Benta quer ir no Museu Ráinha Sôfia - e dji lá, vamo em Casablanca.
- Marrocos, Clô?
- Sim, nós nunca fômo lá
- E depois de Casablanca?
- Aí, nós vai em Rábá
- Vão quê?
- Nós vai em Rábá, meu chapa. Tu não conhece? É outra cidade em Marrocos
- Sim, eu sei, Clô. Mas á primeira, isso soou-me muito mal. E da segunda também não me soou muito bem.
- Ah! Será do fôni? Tá-mí ouvindo milhó agora? Mi mudei para ao pé dji uma janela.
- Sim, Clô. Estou-te a ouvir perfeitamente. Não ligues ao que eu disse, eu explico-te quando vieres a Lisboa.
- Tudo bêm, meu chapa. A gentji si fala. Vamo vê si convenºço a Benta a passá por aí quando viermo. Tu sabi qui o Riau está caro. E djipois, precisamo arranjá alguém para ficá com as criança, mais dois ou três dia. Eles vão ficá em casa de um cara que é meu xará, mas só podem ficá sete dia.
Depois, foram mais umas trivialidades e as despedidas normais, aguardando agora que o Clô e a Benta apareçam por aí. Mas penso que o pedaço aqui descrito é bem demonstrativo do que o Clodovildo queria dizer.
Nesse dia levámo-los até ao Museu, e eles insistiram em nos voltarmos a encontrar para jantar, o que aconteceu nesse dia num discreto restaurante ali ao pé, e divertimo-nos na conversa, que foi da situação política em ambos os países, ao futebol - torcem ambos pelo Santos - e pasme-se, falou-se do acordo ortográfico, que na altura estava em discussão cá e lá. Achavam ambos que era um disparate completo. Confesso que na altura não tinha uma ideia muito definida, mas, embora nenhum dos dois fosse professor, tinham argumentos que quase me convenceram do disparatado da ideia (ainda hoje tenho muitas dúvidas).
Depois, disse-me ele a certa altura:
- Tenta escrever o que eu digo, tal qual digo, e verás para que serve o acordo.
Naquele momento, a ideia pareceu-me não fazer sentido. Ou antes escusada porque estava á vista(?): por vezes tinha alguma dificuldade em “segui-lo”
Mas neste fim-de-semana, o Clodovildo telefonou-me a dar-me novas, e a conversa - muito curta, mas concisa e elucidativa - foi de tal modo que não resisti a registar mentalmente, para desta vez sim a transcrever tal e qual me soou, e avaliar da oportunidade do acordo ortográfico.
- Oi meu chapa
- Olá, Clô. Tudo bem com vocês?
- Tudo, e por aí?
- Também, amigo
- Tchi ligo para dizê a você que eu e a Benta tâmo dji malas feita para voarmo para a Europa. Nós vamo até Paris, e djipois Madri.
- E não vêm até cá?
- A gentji ainda não sabe. Nós vamo em Paris passá uns três dia, djipois vamo em Madri, mas só por dois dia - a Benta quer ir no Museu Ráinha Sôfia - e dji lá, vamo em Casablanca.
- Marrocos, Clô?
- Sim, nós nunca fômo lá
- E depois de Casablanca?
- Aí, nós vai em Rábá
- Vão quê?
- Nós vai em Rábá, meu chapa. Tu não conhece? É outra cidade em Marrocos
- Sim, eu sei, Clô. Mas á primeira, isso soou-me muito mal. E da segunda também não me soou muito bem.
- Ah! Será do fôni? Tá-mí ouvindo milhó agora? Mi mudei para ao pé dji uma janela.
- Sim, Clô. Estou-te a ouvir perfeitamente. Não ligues ao que eu disse, eu explico-te quando vieres a Lisboa.
- Tudo bêm, meu chapa. A gentji si fala. Vamo vê si convenºço a Benta a passá por aí quando viermo. Tu sabi qui o Riau está caro. E djipois, precisamo arranjá alguém para ficá com as criança, mais dois ou três dia. Eles vão ficá em casa de um cara que é meu xará, mas só podem ficá sete dia.
Depois, foram mais umas trivialidades e as despedidas normais, aguardando agora que o Clô e a Benta apareçam por aí. Mas penso que o pedaço aqui descrito é bem demonstrativo do que o Clodovildo queria dizer.