Há umas semanas, num daqueles canais Discovery, vi um documentário sobre os autóctones da Papua-Nova Guiné e os seus hábitos canibais, que creio, hoje terão sido erradicados de vez pela civilização, embora possam ainda suceder casos esporádicos.
Por associação de ideias recordei-me de uma época em que os filmes sobre canibalismo e zombies estiveram em moda por Lisboa, em princípios dos anos 80, numa altura em se estava em pleno boom dos filmes pornográficos. E se os primeiros apareceram como uma vaga repentina, os segundos tinham feito um caminho algo lento desde o 25 de Abril, começando nuns filmes eróticos franceses e italianos – quem se esquece dos filmes de Dino Risi ou do “Malícia” e das maravilhosas e provocadoras curvas de Laura Antonelli – até se chegar ao hardcore norte-americano made in Van Nuys, Los Angeles.Curiosamente, a exibição destes filmes concentrava-se mais numa espécie de “triângulo das Bermudas” lisboeta, situado na Rua do Conde/Portas de Santo Antão, e que era composto pelos cinemas Politeama (frente ao qual se situava então o 1º Peep-Show de Lisboa)/Odeon/Olímpia, sendo que os dois 1ºs eram especialistas em filmes de canibais e zombies, e o Olímpia nos pornográficos.
Por essa altura, eu e o Marcelino frequentávamos uma cervejaria que ficava num local deliciosamente estratégico, que nos dava uma visão geral das entradas e saídas dos 3 cinemas. Muitas vezes sentávamo-nos durante largos períodos e eu ouvia sempre atento, os comentários – muito assertivos – do meu companheiro:
- “Já viste que apesar de ambos os géneros de filme serem igualmente escabrosos, ao Politeama e ao Odeon vão famílias inteiras que entram normalmente em filas organizadas, e ao Olímpia só vão gajos sozinhos com a gola do casaco levantada e que olham para todos os lados antes de entrar?”
Algumas vezes respondia-lhe:
- ”Olha, afinal vai ali um casal a entrar para o Olímpia” e ele:
- “Coitado, logo à noite o tipo vai ser enxovalhado pela namorada. É que não há como não fazer comparações”.
Realmente algumas vezes a nossa conversa prolongava-se e ainda dava para ver sair alguns desses casais, e a verdade é que na maioria dos casos saiam envoltos num silêncio eloquente (um oximoro fica sempre bem nestes escritos), e uma estranha distância entre os dois. Outras vezes, ela exibia um sorriso irónico enquanto ele não tirava os olhos do chão.
Bem, as ideias do Marcelino eram claras quanto á semelhança dos dois géneros cinematográficos:
- “Repara: em ambos se consumam um de dois pecados mortais: a gula e a luxúria (em alguns até os dois e o que nunca ninguém me explicou é porque é que um gajo que sucumbe à luxúria tenha lugar garantido no inferno, e um tipo que morre com um pontapé dado nos testículos pelo irmão, vá para o céu). Em qualquer dos casos, os principais alvos são geralmente mulheres, e em ambos, os protagonistas praticamente só comunicam através de sons guturais de maior ou menor amplitude sonora, e atacam as “vítimas” com grandes mocas. É por isso que raramente vês entrar casais para o Olímpia, percebes? É a tal problemática das comparações”.
O que é certo é que os filmes sobre canibais assim como apareceram qual erupção cutânea, assim desapareceram ou quase – o Hannibal Lecter foi um caso aparte – os filmes pornográficos definharam, e das 3 salas, só o Politeama resiste, agora entregue aos desvelos do LaFéria e a espectáculos muito menos emocionantes.
Há dias, recordei com o Marcelino esses tempos, e explicava-me ele, cinéfilo emérito especialista em filmes obscuros, a causa do declínio de ambos os géneros de filmes:
- “Bem o canibalismo teve o seu tempo, e como não é um tema actual – hoje as pessoas têm maneiras muito mais civilizadas de se comerem umas às outras – passou. Como os filmes de cowboys. São raros. Em relação ao outro género, estás enganado: nunca se fizeram tantos como agora. Perderam foi muito o encanto de outros tempos, em que o realizador se dava ao trabalho de contar uma história – grande argumento para quem queria ir assistir a um porno: “Não, aquilo mete sexo (isto de meter sexo é uma redundância, claro), mas o mais importante é a história” - e os protagonistas eram verdadeiras estrelas, como a Marilyn Chambers, a Linda Lovelace ou o John Holmes, até se chegar ao magnífico neo-realismo ítalo-pornográfico do mestre Mario Salieri e das suas musas, uma das quais, Monica Roccaforte, foi uma paixão minha de anos”.
- “Quem é essa?” – Olhou-me como se tivesse proferido um sacrilégio e ripostou:
- "Não sabes? É uma húngara que estrelou muitas das obras-primas de mestre Salieri. Não me digas que nunca viste o Il Confessionale?– refiro meramente por curiosidade que ele proferia o nome do italiano sempre num tom reverencial – e enchia o ecran Depois, casou com um gajo qualquer que tinha sido parceiro dela em algumas fitas e abandonou a carreira de actriz. E com o desaparecimento dela, parece que desapareceu também a inspiração de mestre Salieri, - embora da mesma altura haja outros nomes a considerar como a Selen, a Selena Steele, a Tabitha Stern (esta é mais nova, mas é um verdadeiro fenómeno),
Anita Dark, a Tania Russoff, a Anita Rinaldi ou a Milly d'Abraccio ou a Tabitha Stevens- parece que se desvaneceu, e tem sido o descalabro: os filmes deixaram de ter história e parece que são todos iguais” declarou com um certo desalento na voz. - "Mas como é que podes considerar uma tipa dessas actriz?
Por associação de ideias recordei-me de uma época em que os filmes sobre canibalismo e zombies estiveram em moda por Lisboa, em princípios dos anos 80, numa altura em se estava em pleno boom dos filmes pornográficos. E se os primeiros apareceram como uma vaga repentina, os segundos tinham feito um caminho algo lento desde o 25 de Abril, começando nuns filmes eróticos franceses e italianos – quem se esquece dos filmes de Dino Risi ou do “Malícia” e das maravilhosas e provocadoras curvas de Laura Antonelli – até se chegar ao hardcore norte-americano made in Van Nuys, Los Angeles.Curiosamente, a exibição destes filmes concentrava-se mais numa espécie de “triângulo das Bermudas” lisboeta, situado na Rua do Conde/Portas de Santo Antão, e que era composto pelos cinemas Politeama (frente ao qual se situava então o 1º Peep-Show de Lisboa)/Odeon/Olímpia, sendo que os dois 1ºs eram especialistas em filmes de canibais e zombies, e o Olímpia nos pornográficos.
Por essa altura, eu e o Marcelino frequentávamos uma cervejaria que ficava num local deliciosamente estratégico, que nos dava uma visão geral das entradas e saídas dos 3 cinemas. Muitas vezes sentávamo-nos durante largos períodos e eu ouvia sempre atento, os comentários – muito assertivos – do meu companheiro:
- “Já viste que apesar de ambos os géneros de filme serem igualmente escabrosos, ao Politeama e ao Odeon vão famílias inteiras que entram normalmente em filas organizadas, e ao Olímpia só vão gajos sozinhos com a gola do casaco levantada e que olham para todos os lados antes de entrar?”
Algumas vezes respondia-lhe:
- ”Olha, afinal vai ali um casal a entrar para o Olímpia” e ele:
- “Coitado, logo à noite o tipo vai ser enxovalhado pela namorada. É que não há como não fazer comparações”.
Realmente algumas vezes a nossa conversa prolongava-se e ainda dava para ver sair alguns desses casais, e a verdade é que na maioria dos casos saiam envoltos num silêncio eloquente (um oximoro fica sempre bem nestes escritos), e uma estranha distância entre os dois. Outras vezes, ela exibia um sorriso irónico enquanto ele não tirava os olhos do chão.
Bem, as ideias do Marcelino eram claras quanto á semelhança dos dois géneros cinematográficos:
- “Repara: em ambos se consumam um de dois pecados mortais: a gula e a luxúria (em alguns até os dois e o que nunca ninguém me explicou é porque é que um gajo que sucumbe à luxúria tenha lugar garantido no inferno, e um tipo que morre com um pontapé dado nos testículos pelo irmão, vá para o céu). Em qualquer dos casos, os principais alvos são geralmente mulheres, e em ambos, os protagonistas praticamente só comunicam através de sons guturais de maior ou menor amplitude sonora, e atacam as “vítimas” com grandes mocas. É por isso que raramente vês entrar casais para o Olímpia, percebes? É a tal problemática das comparações”.
O que é certo é que os filmes sobre canibais assim como apareceram qual erupção cutânea, assim desapareceram ou quase – o Hannibal Lecter foi um caso aparte – os filmes pornográficos definharam, e das 3 salas, só o Politeama resiste, agora entregue aos desvelos do LaFéria e a espectáculos muito menos emocionantes.
Há dias, recordei com o Marcelino esses tempos, e explicava-me ele, cinéfilo emérito especialista em filmes obscuros, a causa do declínio de ambos os géneros de filmes:
- “Bem o canibalismo teve o seu tempo, e como não é um tema actual – hoje as pessoas têm maneiras muito mais civilizadas de se comerem umas às outras – passou. Como os filmes de cowboys. São raros. Em relação ao outro género, estás enganado: nunca se fizeram tantos como agora. Perderam foi muito o encanto de outros tempos, em que o realizador se dava ao trabalho de contar uma história – grande argumento para quem queria ir assistir a um porno: “Não, aquilo mete sexo (isto de meter sexo é uma redundância, claro), mas o mais importante é a história” - e os protagonistas eram verdadeiras estrelas, como a Marilyn Chambers, a Linda Lovelace ou o John Holmes, até se chegar ao magnífico neo-realismo ítalo-pornográfico do mestre Mario Salieri e das suas musas, uma das quais, Monica Roccaforte, foi uma paixão minha de anos”.
- “Quem é essa?” – Olhou-me como se tivesse proferido um sacrilégio e ripostou:
- "Não sabes? É uma húngara que estrelou muitas das obras-primas de mestre Salieri. Não me digas que nunca viste o Il Confessionale?– refiro meramente por curiosidade que ele proferia o nome do italiano sempre num tom reverencial – e enchia o ecran Depois, casou com um gajo qualquer que tinha sido parceiro dela em algumas fitas e abandonou a carreira de actriz. E com o desaparecimento dela, parece que desapareceu também a inspiração de mestre Salieri, - embora da mesma altura haja outros nomes a considerar como a Selen, a Selena Steele, a Tabitha Stern (esta é mais nova, mas é um verdadeiro fenómeno),
- “Então não? Tinha expressões faciais inolvidáveis. É verdade que falava pouco, mas os seus arquejos eram épicos. E o corpo falava por ela, que afinal é o que se pretende de uma actriz, ou não? Alguma vez ouviste uma palavra à Mary Pickford? Bem, ainda há a Jennajameson, mas não é nada a mesma coisa” Escusei-me a referir-lhe que a Pickford era do tempo do cinema mudo.
Mas acabei por me render aos argumentos dele por duas razões: 1ª- é verdade que muitas artistas do chamado cinema sério, actuam precisamente da mesma forma que a sua adorada Mónica; 2ª não achei apropriado prolongar aquele tipo de discussão durante um jantar familiar, até porque com o Marcelino, nunca se sabe como vai acabar.
Não é o meu forte. Tirando o Sá da Bandeira, nem conheço outros locais no Porto onde passassem filmes pornográficos.
ResponderEliminarA minha relação com a pornografia, tirando esporádicos filmes em VHS que roubávamos ao pai de alguém para ver, é pouca. Lia as Ginas do meu irmão às escondidas e depois ia testar a aprendizagem com a Paula, a minha vizinha. No Norte somos bastantes precoces nessas andanças. Ou então sou eu que sou um depravado.
Também não é o meu, mas nos anos 80 era uma novidade, e portanto motivo de conversa e curiosidade incontornável. O resto, deve-se á sabedoria do Marcelino e a algumas pesquisas na net.
EliminarSorte a tua, que tiveste uma Paula tão prestável. Poucos se podem gabar da condescendência de raparigas em experiências inovadoras. :-)
Finalmente arranjei tempo para ler este teu texto tão curioso. Não me interpretes mal, eu sou das que gostam deles com um tamanho apreciável. Essa coisa dos textos curtos para a web não funciona comigo. O tempo é que não tem sido muito.
ResponderEliminarOra aqui um tema que não me quase totalmente estranho, Tirando a Mary Pickford, não reconheci mais ninguém, mas fiquei interessada em descobrir. Não estou é a ver isto num jantar familiar. Tu e o Marcelino são levados da breca.
Ah! Caramba, quando li que te referias a textos fiquei mais aliviado.
EliminarQuanto ao Marcelino, nenhum tema é tabu (muito menos este) seja onde for. E acredita: os jantares de fam+ilia com ele, são muito mais aanimados
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