terça-feira, 17 de abril de 2012

Como perder uma herança, fazendo esforço!

Esta história já tem uns tempos e já a contei anteriormente, mas não aqui. E como penso pode ser um alerta para pessoas na mesma situação em queme encontrei na altura, achei por bem voltar a contá-la.
A minha tia Almerinda é uma senhora de idade - velha, vá - bastante sovina que à conta da sua maneira de ser, amealhou, uma conta calada no banco. O seu pecúlio terá começado a engordar há uns anos, quando o marido, o sr. Torcato da loja de penhores faleceu e lhe deixou uns largos milhares de contos de réis, uns andares dos quais recebe renda e a loja, que ela passou logo a patacos.
A esta fortuna, vai juntando mensalmente a pensão do falecido.
Além disso tem hábitos curiosos. Por exemplo: quando aparece de surpresa na casa de um qualquer familiar, é certo que esta irá coincidir com a hora de uma das refeições. Raramente sai de casa - a não ser no caso das visitas surpresa - e recebe as mercearias e o pão, através de um cesto que dependura da janela e onde o merceeiro coloca os víveres suficientes para as frugais refeições que faz.
Para verem bem o estilo da minha tia, aqui há tempos disse-me muito entusiasmada:
- Já leste isto? Uma gaja em Inglaterra chamada Mary inventou a mini-saia. Isto é bom, já viste o que vamos poupar em tecido?
Fiquei um bocado sem reacção, mas depois peguei no jornal que ela tinha a mão e disse-lhe:
- Tia, anda a ler jornais de 1964?
- Que diferença faz? As notícias são sempre as mesmas! Ia agora gastar dinheiro em jornais novos. (Já para não falar que não tem televisão, e vai ver as novelas a casa da vizinha do lado).
Bom, claro que nem lhe referi que a mini-saia não lhe ficaria muito bem. Estão já a ver que toda a família está à espera que a velha bata a bota para deitar a luva à herança, e até têm um bocado de inveja de mim, porque sou o familiar mais chegado. O que me obriga a aturar-lhe uma série de madurezas, ou corro o risco de ser deserdado.
Ora aqui há uns tempos, a tia chama-me lá a casa e diz:
- Estás a ver isto? É uma alcatifa que comprei ao preço da uva mijona naquela loja ali da esquina que fechou.
- Oh tia, há anos que não se usam alcatifas! Está provado que fazem mal à saúde.
- Qual quê! O que me dá cabo da saúde são as facturas da electricidade. Não dá para ter o aquecedor ligado! Portanto, como o meu quarto é muito frio e essa peça era mesmo à medida, comprei-a. Não me digas que não me vais aplicar isto?
Claro que não lhe ia dizer que não. E nem lhe disse que era trabalho que nunca tinha feito. Combinámos para o fim de semana seguinte.
Cheguei à hora combinada, tirei o casaco e já ia preparado com umas calças velhas. Deitei-me ao trabalho, já tinha visto fazer aquilo, e pensei que não iria ficar mal. A alcatifa tinha uma cor castanha muito pindérica e pêlo alto tipo carpélio. Enfim, um horror. Estendi-a muito bem, apliquei a cola, fui esticando aquilo. Ao fim de uma hora tinha o trabalho quase pronto. Levantei-me junto à porta para ter uma panorâmica geral, para ver se não havia falhas. Hum...estava perfeito, só faltava mesmo aquele cantinho onde estava. Mas de repente, os meus olhos depararam com um pequeno alto no canto oposto. Que raio seria aquilo? Apalpei os bolsos das calças e pensei:"É capaz de ser o maço de tabaco (infelizmente na altura era fumador). Só tinha para aí um cigarro,e devo-me ter esquecido dele ali. Agora também não vou arrancar tudo para o tirar de lá".
Então, cheguei lá e dei um murro na saliência. Ouviu-se um silvo e calculei que fosse o ar que se soltava do maço, e continuei a pressionar aquilo, até ficar nivelado. Não ficou perfeito, mas como o pêlo era alto, aquilo disfarçava bem. Acabei o trabalho e chamei a tia.
- Então que tal?
- Está lindo, filho. Obrigado e que Deus te pague. Sempre foste o meu sobrinho favorito!
Claro, nem estava à espera de que ela me pagasse alguma coisa. Despedi-me dela, vesti o casaco e saí. Ao descer as escadas, e maquinalmente levei a mão ao bolso interior do casaco. Surpresa! lá estava o maço de tabaco. Então mas que raio seria aquilo debaixo da alcatifa? Ia eu a caminho do carro, e ligeiramente intrigado com o caso, quando a minha tia aparece à janela e me grita lá de cima algo que me deixa completamente paralisado:

- Olha lá! Tu não viste o meu periquito?
P.S.- As minhas relações com o sacana do periquito não eram as melhores. Cada vez que lá ia a casa, o safado saltava-me para os ombros e debicava-me furiosamente as orelhas. A minha tia achava muita graça e dizia:”É tão brincalhão, o Xandinho! Não sei como é que não gostas dele”. E eu com um sorriso amarelo e as orelhas a sangrar:”Pois!” Agora está mesmo visto que vou ser responsabilizado pela infelicidade do bicho, e lá se vai a herança!

26 comentários:

  1. Eheheheh! Bem temos de ver o lado positivo, o periquito já não passa frio e a sovina da tia Almerinda já poupa uns cobres na alpista :)

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  2. Ahahah, pode ser que ela não note o altinho na alcatifa e até podes acrescentar que se calhar saiu pela frincha da janela, que tiveste de abrir ligeiramente, para nem tu (nem ela) ficarem intoxicados com o cheiro da cola... :)))

    Enfim, só pretendo ajudar! :D

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    1. Ná. O pássaro andava sempre lá por casa com as janelas abertas e nunca fugiu, Teté.

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  3. Justiça poética!! O pássaro teve o que merecia...

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    1. Pois é, Gija. Agora só falta saber o que a minha tia vai fazer... :)

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  4. um periquito é uma espécie de papagaio mas em hobbit e esses gajos têm o q ue merecem :)

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  5. naaaaaaaaaa invesntaste isso? nao pode, adorei a Almerinda e tive uma tia que tb dependurava o cesto pra apanhar as merceerias, Almerinda olha continua a fazer de bom sobrinho porque rende a todos os niveis, nao so apanhas com historias do catano, como podes vir a ser o herdeiro de todo um espolio diversificado

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    1. Oxalá seja como dizes Xuxi :) bem ando precisado de uns trocos

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  6. Opá... coitado do bicho! Mas a situação em si é hilariante :)))

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  7. ahahah Pobre pássaro, é o que tenho a dizer. Já sobre a forretice... o dinheiro existe para ser aproveitado.

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  8. Estes teus finais matam-me! Acho que até me encolhi com a porrada que deste no "altinho"... pobre bicharoco! ;)

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    1. E pobre de mim, Alexanda, que não vou ver cheta :)

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  9. Bem me parecia que vindo de ti, só podia acabar "mal"

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  10. meu deus, vic, isto é verdade?... e oferecer um novo periquito à tia, não?...

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    1. Nem pensar, bee. Então é que ela sabia que eu era o responsável :)

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Eu leio todos com atenção. Mas pode não ser logo, porque sou uma pessoa muito ocupada a preencher tempos livres!