Foi há quase 100 anos, mas a minha vida ficou indelevelmente marcada por um dos mais trágicos episódios que afectou as forças armadas portuguesas: a batalha de La Lys. Em poucas horas, durante essa batalha, foi dizimado o designado Corpo Expedicionário Português, o esforço de guerra nacional na 1.ª Guerra Mundial. Estava-se em 1918.
Do CEP fazia parte um homem nascido em Castro Daire chamado Anthero Pereira d'Oliveira e seria, postumamente, meu avô materno. Ao contrário de muitos dos seus companheiros, não pereceu em La Lys mas voltou, diziam, com sequelas deixadas pelo terrível gás mostarda usado pelas tropas alemãs, também por todos os episódios terríveis porque terão passado os sobreviventes do massacre.
Passados 3 anos conheceu uma professora primária também beirã, Cristina d'Almeida, e casaram, união da qual nasceram 2 filhas com diferença de dois anos. A mais nova seria muitos anos mais tarde minha mãe.
No entanto, a eventual felicidade da família duraria pouco. A onda de tuberculose que então varria a Europa levou a minha avó, e tal facto e uma provável desonestidade de um sócio que desfalcou a firma que com ele tinha, fugindo a seguir para o Brasil, levou o viúvo sobrevivente de La Lys ao suicídio, deixando uma filha de 4 anos e outra de 2 abandonadas à sua sorte.
Nunca conheci portanto, o meu avô. Sei de certeza segura da sua estada no CEF e do seu suicídio (deste, porque está comigo a sua certidão de óbito datada de 1927, da qual consta que o motivo da sua morte terá sido uma ferida dilacerante de bala no peito). Sei também que a infância da minha mãe e da minha tia - especialmente a desta - não foi das mais felizes.
Estes são os factos de que tenho certeza. O resto, o sócio, o desgosto pela morte da mulher, o motivo do suicídio, sei-o pelo que me foi contado pela minha mãe. Que na altura da morte do pai tinha 2 anos, e que, portanto, tudo o que me contou ter-lhe-á sido passado por terceiros. Vale o que vale. Empresta uma aura mais trágico-romântica à história, mas não a torna mais verdadeira.
Mas o que quero referir, é que quando comecei a ter algum conhecimento dos factos da vida, receei ter herdado os genes do meu avô. Os genes que levam um homem ao suicídio. Lembro-me de há anos ter lido sobre isso e me ter impressionado. Hereditário, li eu.
Fisicamente, não tenho nada a ver com aquela parte da família, fui buscar tudo ao ramo paterno. Mas o resto...desconfiei durante muito tempo.
Hoje, todos esses medos desapareceram. Sou um tipo comum, sem nada que me recomende especialmente, não sou alto e espadaúdo, bonito, herói de banda desenhada, mas nos últimos tempos a vida pôs-me à prova e lutei por ela. E mais que uma vez. Duramente. Quem me conhece sabe disso.
E essa luta deu-me a certeza que não herdei os genes suicidas do meu avô.
Na minha cabeça, não faz sentido nenhum lutar-se pela vida, para depois acabar voluntariamente com ela.
Do CEP fazia parte um homem nascido em Castro Daire chamado Anthero Pereira d'Oliveira e seria, postumamente, meu avô materno. Ao contrário de muitos dos seus companheiros, não pereceu em La Lys mas voltou, diziam, com sequelas deixadas pelo terrível gás mostarda usado pelas tropas alemãs, também por todos os episódios terríveis porque terão passado os sobreviventes do massacre.
Passados 3 anos conheceu uma professora primária também beirã, Cristina d'Almeida, e casaram, união da qual nasceram 2 filhas com diferença de dois anos. A mais nova seria muitos anos mais tarde minha mãe.
No entanto, a eventual felicidade da família duraria pouco. A onda de tuberculose que então varria a Europa levou a minha avó, e tal facto e uma provável desonestidade de um sócio que desfalcou a firma que com ele tinha, fugindo a seguir para o Brasil, levou o viúvo sobrevivente de La Lys ao suicídio, deixando uma filha de 4 anos e outra de 2 abandonadas à sua sorte.
Nunca conheci portanto, o meu avô. Sei de certeza segura da sua estada no CEF e do seu suicídio (deste, porque está comigo a sua certidão de óbito datada de 1927, da qual consta que o motivo da sua morte terá sido uma ferida dilacerante de bala no peito). Sei também que a infância da minha mãe e da minha tia - especialmente a desta - não foi das mais felizes.
Estes são os factos de que tenho certeza. O resto, o sócio, o desgosto pela morte da mulher, o motivo do suicídio, sei-o pelo que me foi contado pela minha mãe. Que na altura da morte do pai tinha 2 anos, e que, portanto, tudo o que me contou ter-lhe-á sido passado por terceiros. Vale o que vale. Empresta uma aura mais trágico-romântica à história, mas não a torna mais verdadeira.
Mas o que quero referir, é que quando comecei a ter algum conhecimento dos factos da vida, receei ter herdado os genes do meu avô. Os genes que levam um homem ao suicídio. Lembro-me de há anos ter lido sobre isso e me ter impressionado. Hereditário, li eu.
Fisicamente, não tenho nada a ver com aquela parte da família, fui buscar tudo ao ramo paterno. Mas o resto...desconfiei durante muito tempo.
Hoje, todos esses medos desapareceram. Sou um tipo comum, sem nada que me recomende especialmente, não sou alto e espadaúdo, bonito, herói de banda desenhada, mas nos últimos tempos a vida pôs-me à prova e lutei por ela. E mais que uma vez. Duramente. Quem me conhece sabe disso.
E essa luta deu-me a certeza que não herdei os genes suicidas do meu avô.
Na minha cabeça, não faz sentido nenhum lutar-se pela vida, para depois acabar voluntariamente com ela.
Gostei muito deste texto e de conhecer um pouco mais de ti, Vic. Quer queiramos, quer não, é este “património” familiar que faz de nós o que somos. Não é determinista, mas creio que influência muito a forma como olhamos para as coisas. Podemos (como tu, e ainda bem) não seguir os mesmos passos, mas deixam uma marca que perdura para além do que se vive.
ResponderEliminarBom texto.
Sim, Anna, e de certo modo, o facto de a minha mãe ter sido criada sem pais, afectou toda a minha vida. E a censura da família em relação à atitude do meu avô esteve sempre presente, embora eu tivesse conhecido poucos dos que eram vivos na altura, e mesmo esses, já em idade avançada
EliminarAcabou por não dar para esmiuçar tudo o que se terá passado.
EliminarE realmente, não é determinante. Nunca senti sequer esses impulsos.
Obrigado, Anna
Nem sei o que te dizer, excepto que após viver num palco de guerra a perceção da vida possa ser diferente. Felizmente, não tenho experiência no assunto, de modo que esta minha opinião também vale o que vale!
ResponderEliminarDe uma coisa tenho a certeza: quem luta pela vida e/ou sobrevivência, nem sequer equaciona o suicídio como hipótese! A psicologia deve explicar melhor que a hereditariedade, mas como também não estudei para psicóloga, fico-me por aqui...
Mas gostei muito do teu texto!
Teté, nestas coisas acho que a presença vale tanto como as palavras. E tens razão, a psicologia se calhar explica mais que a hereditariedade :)
EliminarObrigado
olha, blogosfericamente, és um dos meus heróis de banda desenhada :)
ResponderEliminar:*
E tu és uma menina que és um doce. Uma das melhores "companhias" que arranjei por aqui e das que mais me alegra os dias :)
Eliminaraaaaaaaaaaaaaaaaawwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwww :')
EliminarHá quem diga que há uma tendência hereditária para o suicídio quando alguém na família o faz. Mas isso é um bocado estúpido. De facto os genes são os mesmos, mas uma pessoa é levada a cometer suicídio por situações extremas, e lá porque o teu avô teve esse momento de fraqueza não significa que os seus descendentes tenham.
ResponderEliminarA vida não é, de todo, fácil. Todos sabemos. Há que enfrentá-la!
Eu sei disso Kim. Há sempre uma situação extrema que despoleta a situação. Mas o código genético está lá. E por vezes, mesmo que se não queira, pensa-se nisso.
EliminarE como é evidente, tens razão, há que encarar a vida de frente. E eu tenho tentado fazê-lo.
Obrigado:)
não faz sentido nenhum lutar-se pela vida, para depois acabar voluntariamente com ela - concordo tanto!
ResponderEliminarE não faz mesmo, Miss :)
EliminarObrigado
Suicídio não resolve os problemas, quem cá fica herda esses problemas e de uma maneira muito dura, há que enfrentar os problemas por mais difíceis que pareçam, ninguém disse que isto por aqui era fácil!
ResponderEliminarAdorei o texto.
Sei disso tudo, RST. Mas a nossa mente é muito complexa. Nem nós próprios nos conhecemos completamente, não é?
EliminarObrigado :)
Muitas histórias têm ramos comuns e percursos que se distinguem completamente. Daí que conhecer a origem é positivo, mas ela define o que está para trás e não deverá definir o que virá lá mais para a frente.
ResponderEliminarNota: Filho tardio, nunca conheci os meus avôs, mas o materno também esteve na guerra e também regressou com um passado difícil de esquecer e um futuro muito incerto.
Sim, concordo contigo, Mak. Completamente.
EliminarCuriosas essas coincidências da nossa vida :)
Obrigado
História bem interessante...
ResponderEliminarTenho pena de não ter muito mais pormenores, JC
EliminarObrigado
Vic, obrigado por partilhares. Se te corre nas veias o sangue de um sobrevivente de La Lys, acredito que tenhas o estofo necessário para ultrapassar agruras, sem pestanejar.
ResponderEliminarO meu avô materno tinha 17 anos quando a guerra acabou. Não o deixaram ir. Fez-se mineiro uma vida inteira e a silicose matou-o aos poucos. O meu avô paterno foi um filho da puta qualquer que não reconheceu o meu Pai e desapareceu da história. O meu Pai sabe que era um ricaço que morava na Rua de Costa Cabral, no Porto. Um dia também conto o que sei. :)
Again, muito boa história, Vic.
Obrigado, Troll. Todos temos a nossa hstória, e quase todas têm episódios menos felizes. Mas é isso que faz a nossa vida. E valer a pena.
EliminarFicamos então à espera :)
Até me emocionaste. Não, não faz sentido nenhum lutar todos os dias, especialmente em situações especiais e mais dificeis, como me pareceu o caso, para depois terminar tudo. Um beijinho, este post merece.
ResponderEliminarNão, não faz mesmo Vera. E ter a noção que não stamos sós e as nossas atitudes reflectem-se nos que nos são mais próximos.
EliminarObrigado :)
Concordo com o que dizes no final da tua historia,e ainda digo mais sempre o achei o suicidio um acto de cobardia extrema!! Tenho a certeza que não terás esses genes!
ResponderEliminarGija, há quem diga que é preciso ter coragem para o fazer. Tambèm não o compreendo.
EliminarObrigado:)
Compreendo que ter um suicida na família possa influenciar o comportamento de alguém, mas penso que depende muito da personalidade de cada um. Pareces-me ser uma pessoa que já passou por muito mas cheio de força, e isso é heróico.
ResponderEliminarObrigada por partilhares este bocadinho de ti, é sempre bom ler-te*
TR, concordo com o que dizes em relação às influências. Quanto ao meu caso pessoal, heróico é uma palavra muito forte e está longe de se adaptar a mim. Mas tenho a noção da força que tenho, pelo menos, tentado ter para ultrapassar dificuldades.
EliminarObrigado :)
Independentemente de como terminam, gosto destas histórias cheias de História.
ResponderEliminarObrigado, Jiboia :)
EliminarPena não saber toda a história.
Amei o teu texto de hoje! Se queres a verdade, até me emocionei um pouquinho...
ResponderEliminarPelo que li, não és um herói de banda desenhada, dizes tu... mas és, com toda a certeza, um verdadeiro Herói! :)
Obrigado, nêspera :). Mas sou tudo menos isso. Mas que dou luta...
ResponderEliminarOH...fiquei triste...
ResponderEliminarVaporub, se não fosse o teu cheirinho fresco de eucalipto e menta e teria vertido algumas lágrimas...
Força soldado!*
Obrigado, tétisq :)
EliminarTambém o irmão mais velho do meu avô participou na 1ª Guerra. Também ele foi gaseado. Também ele sobreviveu e voltou. Morreu pouco tempo depois. Não por se ter suicidado, mas pelos efeitos tardios do gás.
ResponderEliminarO irmão, o meu avô, teve uma vida bem diferente. licenciou-se em medicina, casou, teve dois filhos e viveu até aos 82 anos. Como duas pessoas nascidas numa mesma família têm, por terem nascido com dois ou três anos de diferença, destinos tão diferentes...
Quanto ao suicídio, não tenho grandes teorias, nunca reflecti muito sobre esse assunto. No entanto, um jovem que regressa de uma guerra (onde viu os seus amigos morrer), ele próprio debilitado, perdendo a mulher pouco depois, acredito que estivesse, provavelmente, deprimido (coisa moderna a que só os nossos tempos deram nome, mas que também se devia sentir na altura). Não me parece que seja, de todo, um peso que tenhas de carregar :)
Obrigado PE :).
ResponderEliminarEu estou consciente disso. E de como somos todos diferentes, mesmo sendo da mesma família. Como tu também não tenho grandes teorias. Mas é certo que ponderei a questão durante algum tempo, embora esteja longe de eu o considerar um fardo :)
Estas histórias, com a devida "conclusão", é que valem a pena ler! esta partilha foi excelente!
ResponderEliminarObrigado Duluoz :)
EliminarAinda não tinha lido este post teu, admito Vic. O facto de ter sido na véspera do meu casamento poderá servir como excelente álibi!
ResponderEliminarGostei de ler. Por muitos motivos, alguns já comentados.
Acerca do CEF e da I Grande Guerra tinha alguma informação, através de um livro e de relatos de bisavôs e avôs de pessoas amigas. A forma como tudo aquilo foi "trabalhado" foi aflitiva para os que para lá se deslocaram, tendo mesmo ido para a "morte", na forma como as coisas se organizaram e como não iam renovando as tropas.
Quanto ao teu avô, posso dizer-te que às vezes as circunstâncias mudam a forma como as pessoas vêm a sua vida. Sobreviveu lá porque ainda tinha um caminho a percorrer cá, deixar um legado, tu existires agora. Na altura da forte depressão talvez achasse que não lhe restava mais nada... São insondáveis as razões que levam a pessoa a um estado tal em que queira acabar com a sua própria vida. E os traumas de guerra, o gás mostarda e outras coisas mais podem ser traumáticas, diminuir o limiar de tolerância à frustração... sei lá bem.
Quanto aos genes suicidas (se nele era genético) não te saiu essa parte do cromossoma, felizmente! :)
CEP*, obviamente.
ResponderEliminarBem hajas, Mesmica
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