O episódio que hoje relato e o seu desenlace, pode transmitir a ideia de que sou um individuo rancoroso ou vingativo.
Nada mais errado. Sou complacente, perdoo com muita facilidade, relevo até por vezes o que não devia. Há mesmo agravos que esqueço ou tento esquecer, mas como se sabe, e não se sofrendo de uma doença degenerativa, a nossa memória parece um buraco que não conseguimos nunca tapar por completo. E de vez em quando, lá vêm episódios que pensávamos definitiuvamente enterrados ao de cima.
O Abílio é um tipo com alguma piada e diverte-se muito a deixar os outros em situações embaraçosas. Umas vezes a coisa até sai divertida, outras nem por isso. Eu já fui vítima algumas vezes, mas como não sou tapado de todo, de vez em quando sinto-as vir e safo-me.
Bom, mas aqui há dias, estava eu no 33, o café da esquina a beber uma bica e a ler um livro, e ele chega e senta-se à minha mesa e diz:
- Ando a querer preparar-me para o verão, p'rás garinas, tás a ver? Fui saber os preços do ginásio, àquele, sabes? o não sei quê Place, ali das Amoreiras e aquilo é caro cumó caraças.
- Holmes.
- O quê?
- Holmes!
- Estás outra vez a ler o Sherlock?
- Não, pá. Holmes! Holmes Place, é como aquilo se chama. O ginásio, porra!
- Ah! Ou isso.
Ora eu tinha lido recentemente um livro do Bill Bryson (um dos meus escritores favoritos) em que ele mencionava a Isometria, referindo que o conceito da mesma é "a utilização de um objecto imóvel, como uma parede ou uma árvore, por exemplo, contra o qual exercemos toda a nossa força, em várias posições, para tonificar e fortalecer diferentes grupos de músculos". Por acaso, a Isometria não é só isso. Trata-se de uum termo também usado em Geometria e na Axonometria, mas essas vertentes para aqui não interessam nada. Lembrei-me disso e disse-lhe:
- Porque não experimentas a Isometria? Saía-te de borla.
- O que é isso? - lá lhe expliquei o conceito, e ele, depois de pensar um bocado, respondeu:
- Pá, pode ser uma boa ideia. Os gajos da câmara há uns tempos meteram umas máquinas de ginástica ali no Jardim da Estrela, e eu podia fazer todos os dias um bocado daquilo tudo e praticar essa coisa de que falas. Não tens lá uns alteres que me emprestes, para também fazer uns pesos?
Tinha e emprestei-lhos. No dia seguinte, aparece-me de fato de treino verde alface e uns ténis roxos fluorescentes, tão fluorescentes que aquilo até encadeava.
- Fui ontem à feira de Carcavelos! Vou agora para o Jardim! Estou bem, não estou?
- Estás! Maravilha! Vais fazer um vistão.
E lá foi. Ao que parece, todas as manhãs vai fazer os seus exercícios, porque no sábado passado, impante no seu fato de treino verde alface e nos seus ténis fluorescentes, disse-me:
- Já me sinto outro. Os teus alteres têm feito maravilhas. Estou cá com uns biceps! - admirei-me porque os alteres só têm 5 kilos cada um, mas enfim. - E os exercício são porreiros. Aqueles da Iso dão mesmo resultado. Vou agora para o jardim. Porque é que não vens comigo?
A princípio recusei, mas o Abílio é muito insistente, e como não tinha grande coisa para fazer e tinha alguma curiosidade em assistir a uma sessão da ginástica dele, lá fui.
Chegados, já lá estavam umas pessoas, a maior parte de idade avançada, a fazer os seus exercícios. Fila para um aparelho, fila para o outro, sai um, entra outro, tudo muito ordenado e sem atropelos. O Abílio viu que todos os aparelhos estavam tomados e decidiu-se: "Vou começar pela Isoqualquercoisa". Eu assenti, e vi-o a encostar-se a uma árvore larga mesmo ao lado do aparelho de pedalar, e encostou-se a ela com as mãos, fazendo força e flectindo ao mesmo tempo. Eu estava impressionado com o seu esforço.
Lá foi fazendo mais uns exercícios, até que me disse:
- Agora, vamos às pernas! - notei que ele estava orgulhoso de si próprio, e não era caso para mesmo, porque até já se tinham juntado meia dúzia de adeptos da ginástica para o observar
Deitou-se no chão, encostou o rabo à base da árvore, e fincou os pés a meio do tronco, e começou a fazer força com ambas as partes da anatomia, até ficar vermelho. E até que soou um ruído tonitruante e familiar que o paralisou. Vi o sangue afluir-lhe á cara. De vergonha, claro. Como é claro que eu podia disfarçar, fazer de conta que não acontecera nada. Mas vi aquelas pessoas a olhar para ele, umas com ar de dúvida, outras já com uma certa censura estampada nas faces, e lembrei-me de algumas das vergonhas que ele já me fizera passar. E não hesitei:
- Tens a certeza esse exercício é apropriado para os músculos das pernas. É que até agora, a única coisa que deu sinal de estar a ser exercitada foram os intestinos!
O resto, vocês podem imaginar: a vergonha, a fuga...
P.S.- E o cheiro, meu Deus, e o cheiro!
Nada mais errado. Sou complacente, perdoo com muita facilidade, relevo até por vezes o que não devia. Há mesmo agravos que esqueço ou tento esquecer, mas como se sabe, e não se sofrendo de uma doença degenerativa, a nossa memória parece um buraco que não conseguimos nunca tapar por completo. E de vez em quando, lá vêm episódios que pensávamos definitiuvamente enterrados ao de cima.
O Abílio é um tipo com alguma piada e diverte-se muito a deixar os outros em situações embaraçosas. Umas vezes a coisa até sai divertida, outras nem por isso. Eu já fui vítima algumas vezes, mas como não sou tapado de todo, de vez em quando sinto-as vir e safo-me.
Bom, mas aqui há dias, estava eu no 33, o café da esquina a beber uma bica e a ler um livro, e ele chega e senta-se à minha mesa e diz:
- Ando a querer preparar-me para o verão, p'rás garinas, tás a ver? Fui saber os preços do ginásio, àquele, sabes? o não sei quê Place, ali das Amoreiras e aquilo é caro cumó caraças.
- Holmes.
- O quê?
- Holmes!
- Estás outra vez a ler o Sherlock?
- Não, pá. Holmes! Holmes Place, é como aquilo se chama. O ginásio, porra!
- Ah! Ou isso.
Ora eu tinha lido recentemente um livro do Bill Bryson (um dos meus escritores favoritos) em que ele mencionava a Isometria, referindo que o conceito da mesma é "a utilização de um objecto imóvel, como uma parede ou uma árvore, por exemplo, contra o qual exercemos toda a nossa força, em várias posições, para tonificar e fortalecer diferentes grupos de músculos". Por acaso, a Isometria não é só isso. Trata-se de uum termo também usado em Geometria e na Axonometria, mas essas vertentes para aqui não interessam nada. Lembrei-me disso e disse-lhe:
- Porque não experimentas a Isometria? Saía-te de borla.
- O que é isso? - lá lhe expliquei o conceito, e ele, depois de pensar um bocado, respondeu:
- Pá, pode ser uma boa ideia. Os gajos da câmara há uns tempos meteram umas máquinas de ginástica ali no Jardim da Estrela, e eu podia fazer todos os dias um bocado daquilo tudo e praticar essa coisa de que falas. Não tens lá uns alteres que me emprestes, para também fazer uns pesos?
Tinha e emprestei-lhos. No dia seguinte, aparece-me de fato de treino verde alface e uns ténis roxos fluorescentes, tão fluorescentes que aquilo até encadeava.
- Fui ontem à feira de Carcavelos! Vou agora para o Jardim! Estou bem, não estou?
- Estás! Maravilha! Vais fazer um vistão.
E lá foi. Ao que parece, todas as manhãs vai fazer os seus exercícios, porque no sábado passado, impante no seu fato de treino verde alface e nos seus ténis fluorescentes, disse-me:
- Já me sinto outro. Os teus alteres têm feito maravilhas. Estou cá com uns biceps! - admirei-me porque os alteres só têm 5 kilos cada um, mas enfim. - E os exercício são porreiros. Aqueles da Iso dão mesmo resultado. Vou agora para o jardim. Porque é que não vens comigo?
A princípio recusei, mas o Abílio é muito insistente, e como não tinha grande coisa para fazer e tinha alguma curiosidade em assistir a uma sessão da ginástica dele, lá fui.
Chegados, já lá estavam umas pessoas, a maior parte de idade avançada, a fazer os seus exercícios. Fila para um aparelho, fila para o outro, sai um, entra outro, tudo muito ordenado e sem atropelos. O Abílio viu que todos os aparelhos estavam tomados e decidiu-se: "Vou começar pela Isoqualquercoisa". Eu assenti, e vi-o a encostar-se a uma árvore larga mesmo ao lado do aparelho de pedalar, e encostou-se a ela com as mãos, fazendo força e flectindo ao mesmo tempo. Eu estava impressionado com o seu esforço.
Lá foi fazendo mais uns exercícios, até que me disse:
- Agora, vamos às pernas! - notei que ele estava orgulhoso de si próprio, e não era caso para mesmo, porque até já se tinham juntado meia dúzia de adeptos da ginástica para o observar
Deitou-se no chão, encostou o rabo à base da árvore, e fincou os pés a meio do tronco, e começou a fazer força com ambas as partes da anatomia, até ficar vermelho. E até que soou um ruído tonitruante e familiar que o paralisou. Vi o sangue afluir-lhe á cara. De vergonha, claro. Como é claro que eu podia disfarçar, fazer de conta que não acontecera nada. Mas vi aquelas pessoas a olhar para ele, umas com ar de dúvida, outras já com uma certa censura estampada nas faces, e lembrei-me de algumas das vergonhas que ele já me fizera passar. E não hesitei:
- Tens a certeza esse exercício é apropriado para os músculos das pernas. É que até agora, a única coisa que deu sinal de estar a ser exercitada foram os intestinos!
O resto, vocês podem imaginar: a vergonha, a fuga...
P.S.- E o cheiro, meu Deus, e o cheiro!
Epá cada vez mais és um vício!
ResponderEliminarEu lá tenho cara de cigarro, Patrícia? :)
Eliminarahahahah
ResponderEliminarrancoroso? vingativo? naaa, foi uma oportunidade muito bem aproveitada :D
Também acho. Nem imaginas as que ele já me fez TB:)
EliminarDeves ter com cada história para contar :) depois disto as pessoas ficam curiosas :D
EliminarTenho algumas, TR. Infelizmente, algumas até impublicáveis :)
Eliminarlololololololololololol! Isso é que foi esforço!!! Já devia ter as molas frouxas, coitado...lolololololol
ResponderEliminarlol! se calhar é isso, Ana, O rapaza já não vai para novo :)
EliminarAi meu Deus. Tu tens cada história... coisa nojenta.
ResponderEliminarÉ a vida, S*. E não há ninguém a quem não aconteça o mesmo que a ele :)
Eliminarah pois o Abílio!.......lindo, adoro cromos e fico contente por não estarem em vias de extinção. Eu faço coleccção deles e acho que cada um de nós deveria ter a sua própria caderneta de cromos! Tens mais histórias do Abílio? amei esse gajo, depois apresentas-mo?
ResponderEliminaresse Abílio dava um serial
É mesmo um cromo, Xuxi. Por aqui ainda aparecem alguns :)
Eliminar(se tiveres seguro de vida, posso apresentar-to sim :) )
Aqui tb ha e de gde calibre
Eliminareheheh, já tive oportunidade de ver, Xuxi
EliminarO que eu já me ri com o Abílio, maldita ginástica!!
ResponderEliminarÉ verdade, RST. A ginástica nem sempre cai bem :)
EliminarEsse Abílio é um cromo! E não acho nada mal que tenhas notado o exercício intestinal em alto e bom som - pessoas que gostam de pregar partidas aos outros merecem ser pagas na mesma moeda. Ainda por cima quando se põem a jeito... :)))
ResponderEliminarFoi a minha vingança, Teté. Mesmo assim ainda devemos estar para aí 20 a 1 :)
EliminarHá vícios bons e há vícios bons...ler pessoas carismáticas é um deles
ResponderEliminarAh! isso é, Patrícia (mas não me incluo no lote :) )
EliminarO que me ri com este episódio.
ResponderEliminarE olha que isso deve ser característica do nome, também conheço um Abílio, a quem apelidamos de "Martírio", tal é a dose que ele nos aplica.
ahahahah! Imagino, Apple. Grande alcunha! :)
EliminarQue má onda! Coitado do rapaz ahah
ResponderEliminarCoitado? Porco, queres tu dizer :)
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