quinta-feira, 1 de março de 2012

Tangas


Apesar de os tratarmos afectuosamente por “nuestros hermanos”, é fácil constatar que as relações dos portugueses com os espanhóis nem sempre são amistosas, embora nas últimas décadas se tenham atenuado animosidades. Claro que aqui e ali vão surgindo pequenos fogos como é o caso da “guerra das laranjas”, reacendida pontualmente por meia dúzia de maduros” amigos de Olivença”, ou, nos casos mais publicitados, na vida difícil que o treinador e jogadores lusos do Real Madrid têm com a imprensa e uma parte da “aficcion” espanhola.
Conheço-o há vários anos, frequentamos o mesmo café, falamos - geralmente, é ele que fala e eu ouço - mas não somos amigos. Conhecidos, vá. Somos muito diferentes em todos os aspectos, e eu acho alguma graça na sua maneira de ver a vida, embora essa esteja, também ela, longe da forma com que encaro a minha. Mas é um original, um filósofo, que vive de expedientes.
Uma descrição breve: é moreno, meão e entroncado, barba cerrada, muitas vezes por desfazer - não daquelas propositadas de 3 dias, mas desmazelada - cabelo muito escuro negro, denso, penteado para trás. É um frequentador assíduo da feira de Carcavelos, sítio de onde é abastecido o seu guarda-roupa: ténis Mike, calças Doce Cabana, camisas Armandi(que usa sempre com pelo menos 3 botões desabotoados), blusões Faztonabo, enfim, é por aí.
O episódio que a seguir relato, passou-se há uns tempos largos, mas veio-me à cabeça face ao recente episódio envolvendo José Mourinho, e a sua alegada (o que eu gosto desta palavra) homofobia e os termos que deram origem ao incidente.
Veio ter comigo e disse-me:
Outro dia, e pela 1ª vez, entrei na Pastelaria V. Sabes que aquilo ali há muita gaja entradota à procura de macho?”
O quê? estás a dizer que a V é uma espécie de bar de alterne?”
É verdade. Até falei com o X que me confirmou que já lá sacou algumas. Estou a pensar tentar a minha sorte, que ando um bocado á rasca de massas
Estás a pensar tornar-te chulo?” Não é chulo, pá. Tem outro nome. Estrangeiro”.
“Gigolô?”
“Isso!Isso mesmo

Abreviando, decidiu-se mesmo a tomar aquele passo. Mas pior, conseguiu convencer-me a ir com ele “Sabes como é, estás mais habituado àqueles ambientes finos. Ias ajudar-me a sentir-me mais á vontade”. A princípio renitente, lá acabei por aceitar: “Ficas-me a dever essa, ok?”
No dia, aparece-me com uma camisa branca aberta até á barriga, com o pelame do peito e um fio dourado e grosso com um crucifixo, umas figas e mais 2 ou 3 penduricalhos não identificáveis à mostra. Um fato escuro, muito bem engomado, mas cujo casaco só lhe chegava a meio do rabo e com umas bandas demasiado grandes. Sapatos um bocado gastos, mas muito engraxados, quase tanto como o cabelo negro, empastado e penteado para trás. Uns óculos escuros Vay Ban compunham o retrato. Julgava eu. A precedê-lo, um cheiro pavoroso a “perfume” rasca, intenso, “Onde é que te meteste para arranjar esse cheiro?”
Não percebes nada disto. É um perfume espanhol que a minha tia Deolinda lá tem. Trouxe-o de Badajoz ainda antes do 25 de Abril. Uma preciosidade. Vamos?” - Calei-me e segui-o mantendo para ele uma distância cautelosa.
Chegados, ele escolheu uma mesa em sítio estratégico, com vista para todo o salão da pastelaria e de onde poderia localizar a vítima. Que não demorou: “Vai ser aquela”.
Apontava para uma senhora que teria decerto 70 anos ou mais, um pequeno chapéu com 2 penas no cocuruto de uma cabeleira cinzenta azulada muito ripada, e uma cara que parecia ter levado um balde de reboco, de olhos pequenos encimados por um par de sobrancelhas que se resumiam a duas semi-circulares desenhadas a lápis. A boca era um borrão de baton vermelho. Nos ombros, uma estola de raposa conferia com tudo o resto: uma senhora á moda antiga. Muito antiga.
Levantou-se, apertou o casaco, movimento que fez abrir a racha traseira do casaco deixando-lhe o rabo redondo á mostra, e dirigiu-se à mesa da senhora com um andar insinuante, cabeça levantada, sorriso nos lábios. Atrás dele, o pivete do perfume espanhol.
Confesso que estava um pouco envergonhado. De todo queria que notassem que aquele tipo era meu companheiro de mesa, pelo que fui chegando a cadeira devagar até ficar um pouco escondido atrás de uma coluna, mas de forma a apreciar a conquista.
Lá chegado, e mantendo o sorriso níveo sempre dirigido á senhora, puxou uma cadeira fazendo menção de se sentar a seu lado e começar a abordagem.
Foi então que se deu o (in)esperado. A senhora bradou numa voz esganiçada:
- Jesus! (pronuncie-se “Résú”) Qué fédor! Vate-le! A mi no me gustan a los maricones!
(ele nunca mais quis ouvir falar de espanhois)

14 comentários:

  1. Maricones. ahahah

    Bom, não há nada pior do que aqueles perfumes rascas que cheiram a insecticida. Pela descrição do teu "amigo", seria desses. :D

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    1. Acho que era um perfume espanhol chamado Tabu. Uma maravilha. O cheiro impregnou-se-me no casaco e nem depois de 3 lavagens a seco saiu! :)

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  2. sabes como diz o outro
    se a ti te gusta, a mi me encante

    se a ti no te gusta... bem, isso já é problemático :P


    (desculpando o termo, mas caralho lá poh blogger)

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    1. Resumindo, não gostaste da saída da espanhola. Por supuesto :)

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  3. Hilariante! adoro quando esses que têm a mania que são o verdadeiro macho latino, são envergonhados.

    Quanto ao teu vizinho, já dizia a minha avó: "De Espanha nem bom vento,nem bom casamento"

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    1. Eheheh! Embora casamento fosse a última coisa que ele procurasse...

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  4. Ahahah, essa dos espanhóis serem os nossos inimigos vem do tempo da antiga primária, onde as grandes façanhas da nossa História passavam por dar porrada nos castelhanos... com o tempo, passou! :)))

    Agora que tens conhecidos estranhos, lá isso é verdade! Vale que esse "pintas" deu para umas boas gargalhadas deste lado... :D

    ps - imagino o pivete de um perfume (ou colónia?) ao fim de quase 38 anos... =))

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  5. Ai, que ainda não tinha lido isto e está tão bom!
    Quando eu tiver mais de 50 apresentas-me esse teu "amigo"?

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    1. LOL!!! Com todo o gosto. Só espero que então já se lhe tenha esgotado o stock de perfume.

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  6. Com sorte terá sido o meu olfato a esgotar-se!

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Eu leio todos com atenção. Mas pode não ser logo, porque sou uma pessoa muito ocupada a preencher tempos livres!