terça-feira, 3 de julho de 2012

As Minhas Mãos

As minhas mãos são umas mãos vulgares, às quais não dispenso atenções especiais. Talvez o que as diferencie das demais seja o facto de serem minhas e portanto as conhecer melhor. 
São pequenas para mãos de homem. Lembro-me que as do meu pai eram grandes, ossudas. Sempre me pareceram mãos para agarrar com força, mãos de muito trabalho e pouco afago. As minhas ao contrário, são pequenas, eu acho, pouco dados a trabalhos demasiado pesados, quem sabe se feitas só com o propósito de tocar ao de leve, tactear, acariciar. 
E um dia destes vou acordar e verificar que as minhas mãos estão cobertas de pequenas manchas castanhas, pequenos sinais de oxidação com que o tempo me lembrará que já passou muito do tempo que me foi destinado. 
 Nesse dia sei que vou querer visitar os locais que me viram crescer, naquela cidade pendurada num rio largo e com a qual acordei quase todos os dias da minha vida. Nesse dia, que eu sei que vai ser um dia de sol, sei que me vou sentar sozinho, num banco debaixo de um cedro centenário no Príncipe Real que é a árvore mais bonita de Lisboa e olhar as crianças que brincam e riem sem medo do futuro, porque para elas só existe presente, e são quem melhor o sabe viver. E então mais uma vez direi para mim mesmo a frase tão gasta, mas que nem por isso é menos verdadeira, que as crianças são o melhor do mundo 
Nesse dia sei que me sentirei diferente do dia anterior, porque vou saber que estou com muitos anos vividos, que me vão chamar velho e provavelmente me tratarão com comiseração como tratam todos os velhos. E nesse dia sei que quererei fazer um balanço do que deixei para trás. 
Nesse dia sei que quererei saber se as mordidas da vida valeram os sorrisos que ela me deu e vou chegar à conclusão que sim. Porque me lembrarei então que amei e fui retribuído, e só isso já faz com que tudo valha a pena.

(2007)

17 comentários:

  1. As mãos transformaram-se na vida.
    Deixaste-me nostálgica.
    Afinal as coisas que merecem, realmente, a nossa atenção são tão poucas.
    Com um balanço positivo só há motivo para sorrir.
    beijo.

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  2. Que bom....
    Que bom é ir olhando para tras e sentir que se viveu bem...
    assim te desejo, que as manchas castanhas sejam sinais de felicidade vivida :)
    Boas ferias

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  3. Gosto muito de mãos, principalmente das que sabem estimar, sejam grandes ou pequenas, de pele limpa ou manchada. :)

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  4. Há muito tempo que não me lembrava desse cedro que é seguramente a árvore mais bonita de Lisboa. Muitas vezes me sentei debaixo dela com a minha mãe e um livro.
    Talvez um dia também eu me volte a sentar aí, já com manchas castanhas nas mãos, para agradecer à vida todo o amor que tive para dar e todo aquele que recebi.

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  5. :)
    (nada a ver, mas estava a ver isto e lembrei-me de ti: http://www.betrend.pt/fashion/grandes-nomes-de-hollywood-vestem-prada/)

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  6. Tens razão, Vic. Tudo vale a pena quando a alma é grande, de tão cheia de amor...
    Quem consegue ter isso tem tudo, ou quase tudo.

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  7. O texto ta fantastico mesmo!


    http://placequotehere.blogspot.pt/2012/07/who-let-dogs-out.html

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  8. Agora fiquei a pensar, o quanto verdade é este texto, ao olhar para aqueles apelidados de velhos sentados no jardim a contemplar a vida e os outros, a mente deles deve estar bem longe em tempos antigos.

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  9. Gosto muito de mãos, grandes ou pequenas, não importa.

    Vic, esta questão fez-me recordar o E.E. Cummings, "...nobody,not even the rain,has such small hands,"que por sua vez me levou a um filme do Woody Allen. Isto também é como as cerejas:)
    Intenso este texto.

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  10. E que esse dia chegue, mas ainda esteja longe! Mas independentemente do que as crianças ou os outros disserem, a velhice não depende do tempo ou das manchas castanhas nas mãos. Não se observa a olho nu... sente-se! É mais do que aparência, é um estado de espírito! Por velhos mesmo são os trapos! :)

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  11. Se o balanço tiver esse resultado, deves sentir uma tranquilidade e paz de espírito muito grandes...*

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  12. Vic...este texto deixou-me com um nó na garganta :S Muito bonito, parabéns :)

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  13. Mãos... de muito ou pouco trabalho, suaves ou nem por isso, se capazes de um carinho valem ouro.

    Quando esse dia chegar que sintamos que valeu a pena.

    (aprecio bastante estes teus momentos, Vic)

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    1. Hoje a ligação só dá mesmo para vos agradecer a todos :)

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  14. Vic levaste-me a pensar em tanta coisa...
    O tempo realmente passa e nós por vezes nem damos por isso.
    Que nostalgia...!

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Eu leio todos com atenção. Mas pode não ser logo, porque sou uma pessoa muito ocupada a preencher tempos livres!