A ausência também tem termo. Cumpriu a determinação de, conforme sabiamente sugeria Agostinho da Silva, subsidiar voluntariamente o ócio.
E assim, separei-me deste pedaço de mim, que lateja quase diariamente em separado, e deixei-me envolver pela indolência emanada pelas paisagens do sul e soçobrei à volúpia do tempo sem tempo, da obediência única ao sol e à lua, levantando-me com um e deitando-me com outra.
Evocando o filósofo de que agora alguns temporariamente se lembraram – dizia ele que o homem se tornara vítima das suas ambições, tornando-se assim escravo de si próprio, entregando-se por elas a uma vida de trabalho desnecessário - sentei-me nos arrifes batidos pelas ondas quase lisas, e decidi que durante uns tempos, deixaria afogar a vista naquela linha finita que separa os azuis e me disporia a deixar o meu corpo entregue ao sabor dos dias, inerte, só acesos os sentidos.
A cada dia mais convicto que só somos verdadeiramente livres, quando nos libertamos de todos os elos que causam constrangimentos ao livre curso daquilo que verdadeiramente é crucial na vida, e que é ela própria, esvaziei-me de preocupações supérfluas, deixei-me embalar por aqueles murmúrios maternais que a terra-mãe sussurra, e absorvi o cheiro vivo da maresia, ao mesmo tempo que deixava os pés mergulhar na areia húmida, até que aquela dor fina que aperta os ossos como um torno, os faz adormecer e parecer que já não me pertencem.
Se fizesse agora uma retrospectiva, quase poderia reconstruir cada minuto, cada pormenor, cada caminhada errante pelas ruas brancas e estreitas, cada olhar ofuscado pelo sol espelhado na calmaria eterna da ria, cada ocaso de céu incendiado.
E nunca penso nesses momentos como tempo perdido, porque é neles que me encontro. Porque já não deixo que a vida passe por mim, pois que insisto em passar por ela a cada momento.
Pela voz de Gustav von Aschenbach, o inesquecível protagonista de Morte em Veneza, dizia Thomas Mann:
“Lembro-me que uma vez em casa do meu pai tivemos uma dessas – apontando com o olhar, uma ampulheta. - O orifício por onde escorre a areia é tão minúsculo, que de início parece que o nível no vidro superior nunca muda. Aos nossos olhos parece que a areia se esvai apenas no fim, e até se esvair, não vale a pena preocuparmo-nos. Até ao último momento, quando não há mais tempo, quando já não há mais tempo para pensarmos nisso”.
Reconstruo-me
todas as manhãs
Sobre as ruínas
que restaram de outra noite.
Sou paciente.
Sei que assim será
até á eternidade
. Que como outra coisa qualquer
um dia, acabará.
todas as manhãs
Sobre as ruínas
que restaram de outra noite.
Sou paciente.
Sei que assim será
até á eternidade
. Que como outra coisa qualquer
um dia, acabará.
Ai vila Nova de Cacela....que saudades das férias lá :))
ResponderEliminarEste texto trouxe-me à memória o depoimento que Calasans Neto fez acerca de Vinicius de Moraes e a sua passagem pela Baía.
ResponderEliminarhttp://youtu.be/CZY_OfttV58
Espero que o pós-férias não seja muito penoso :)
Joana
Oh,Vic...que bom regressar aqui e ler este teu texto. Identifico-me plenamente com essa cadência lenta do tempo e do pensamento. Folgo ver que os teus dias são também "azuis".
ResponderEliminarBjs
E custa tanto depois voltar ao dia a dia de Lisboa, ainda com os olhos cheios de mar e praia e céu e tudo o mais! Vá que tu sempre tens as gravatinhas e os lacinhos, para combinar com a roupinha do dia seguinte, para não pensares mais no final das férias... :)))
ResponderEliminarCaro Vic,
ResponderEliminarOu sou eu ou então a vida anda a querer dar-me lições, de graça ainda por cima.
Este Ser duma forma inegualável deixa-me prostrada. Não duma forma negativa, se é que a palavra o quer dizer.
Fico como burro a olhar palácio, aplicando a sabedoria popular.
Um texto intenso e comovente.
Deixaste-me comovida.
Um beijo.
É pá, Vic, assim não dá... Eu a pensar que passava por aqui e me alegrava um pouco... E deixaste-me a pensar ainda mais.
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