quarta-feira, 11 de julho de 2012

O Verdadeiro Artista

Naquela altura, o Pedro Nunes era um Liceu rigoroso. Naquela altura, ainda se chamava Liceu Normal de Pedro Nunes, porque tinha como missão, não só, formar alunos, como também professores.
Claro que nós, alunos, não ligávamos puto a isso. Só ao rigor da Instituição - altura houve em que os alunos eram obrigados a usar sempre gravata - e dos professores.
Nunca fui grande aluno, não estudava, ou estudava pouco, e as únicas disciplinas em que me safava melhor que medianamente, eram a Educação Física e na Educação Visual, que na altura se designava simplesmente como desenho. Mas na altura de exames safava-me bem, principalmente porque conseguia livrar-me das orais, que definitivamente não eram o meu forte.
Mas gostei de andar lá, foi uma época divertida da minha juventude graças a alguns excelentes colegas. Com uns, passava tardes a jogar basquete - o meu desporto favorito - com outros a ser expulso das aulas de Canto Coral do professor Cirillo, porque me faziam rir tanto que ele acabava por me mandar para a rua apanhar ar.
Um deles, o Cardozo, não sei se aqui já o referi, era uma estrela do gamanço já nessa altura. Não por necessidade, que a família era abastada, mas por divertimento. Eram LP’s nas discotecas, que enfiava por debaixo da gabardina, tão fácil como almoçar sem pagar dois períodos inteiros no 1500, aproveitando a crença do empregado de balcão de que o colega já lhe teria cobrado. Ah! E tinha uma mãe espanhola loura e de olhos azuis, linda e quase da idade dele, sempre muito bem maquilhada e que provocava sempre reboliço quando aparecia no Liceu.
Mas o mais surpreendente de todos os meus colegas era o Barata.
O Barata era um verdadeiro artista do embuste, daqueles que se adiantava em tudo. Aos 13 anos já fumava como um adulto e passava as tardes no salão de jogos do Jardim Cinema a jogar bilhar. E bem. Também no Liceu jogava bem futebol, basquete, andebol, volei, era o que viesse. Mas a sua verdadeira especialidade eram os testes. Como nunca estudava, das duas uma: ou arranjava alguém que fizesse o teste por ele, ou copiava. Em História e Geografia, tinha outra táctica: como os professores eram velhotes e viam mal, depois de eles distribuírem o enunciado, aproveitava um momento de distracção deles e pisgava-se da aula sub-repticiamente da sala, fazia o teste cá fora com a ajuda do respectivo compêndio, e quase no fim da hora, passava o teste feito através de um ventilador a um de nós, que depois fazia a sua entrega.
E assim chegou aos exames de gerais do 5º ano (actual 9º ano) tendo somente um conhecimento vago das matérias. Como era muito amigo dele, num dos dias que antecediam os exames disse-lhe:
- Como é que te vais safar agora? Nos exames a coisa fia mais fino, e já não vamos estar todos na mesma sala - e ele respondeu-me com um sorriso - Pois é, só me safo mais ou menos a Português e a Desenho. Do resto não pesco nada. Mas deixa lá, que me hei-de desenrascar.
Só o voltei bastante tempo depois, em plenas férias de Verão. Dei-lhe um abraço e perguntei:
- Então e os exames?
- Impecáveis. Nem fui às orais. Tive média de 14,5.
Confesso que fiquei pasmado. O máximo que achava que ele iria tirar era para aí uma média de 7 ou 8, e isto já a contar que tivesse tido muito boas notas a Desenho e a Português. Quando consegui articular palavra, perguntei-lhe:
- Mas como é que conseguiste isso?
- Um dia destes, eu conto-te - respondeu ao mesmo tempo, que me piscava o olho e se ria com aquele riso descarado dele.
Ainda falámos uma ou duas vezes após este episódio sem nunca me explicar o que se passara, mas era para mim claro que se servira de um qualquer expediente menos honesto. Depois, as nossas vidas divergiram. Porém, soube muito tempo a sua carreira de estudante terminara antes de concluir o antigo 7º ano (equivalente ao actual 12º), imagino que por não ter usufruído das mesmas "facilidades" que o tinham ajudado nos exames do 5º, mas que depois se safara bem na vida e era Director de Pessoal de uma pequena empresa. Quando o soube, fiquei impressionado: como era possível um tipo sem qualquer preparação, ser director do que quer que fosse?
A resposta veio rápido: a empresa era da família da mulher.
O mais curioso no meio desta história toda é que, por causa do seu vício no futebol - entregava-se àquilo com toda a gana e dizia-se que até comia a relva - , a alcunha que ele tinha no Liceu era o “Relvas”.

5 comentários:

  1. Pedro NUNES???
    ahahha
    Eu sou da MACHADO DE CASTRO :)) ehehhehe

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  2. "relvas" pode passar a ter uma nova entrada no dicionário: indivíduo expedito, vulgo desenrascado, que não olha a meios para atingir fins. :)))

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  3. E foi assim que muitos se fizeram doutores...

    Dizes "O Barata é um verdadeiro artista do embuste...", nesse caso o Barata era muito diferente do Relvas...o Relvas, goste-se ou não, seja bem ou mal feito, apenas fez o que a lei lhe permitiu...

    Beijinho :)

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  4. Pode-se até criticar o processo de Bolonha - e eu critico-o -mas existem regras também no que diz respeito aos créditos e às equivalências em função do currículo profissional. Não é um albergue espanhol onde cabe tudo e onde são dadas equivalências às mãos cheias. A "lei" não "permite" tudo.
    Digo isto também a pensar em todas as pessoas que fizeram o 1º e o 2ºciclos ao abrigo de Bolonha, de forma esforçada, frequentando e prestando provas nas várias cadeiras e pagando as propinas.

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  5. E será que era familiar do outro?!? Ainda dizem que não há coincidências... :)))

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Eu leio todos com atenção. Mas pode não ser logo, porque sou uma pessoa muito ocupada a preencher tempos livres!