Sei que há, genericamente, dentro da comunidade blogueira e facebookiana portuguesa, um grande carinho por animais, pressente-se alguma revolta sobre a forma como eles são, muitas vezes, (mal) tratados, e ainda ontem a PinUpMe fazia um apelo ao apoio à União Zoófila e ao seu inestimável trabalho em prole dos nossos amigos de 4 patas.
Além disso, estamos agora na altura em que mais animais, especialmente cães, são abandonados, o que leva a que muitos acabem por ser eutanasiados, tantas vezes culpa nossa, que não os esterilizamos e os deixamos procriar desalmadamente. Muita culpa também dos governos, que existindo algumas leis - quase todas precárias - , não são cumpridas, com as autoridades assobiarem para o lado.
Mas há também o modo como encaramos os nossos animais.
E é por isso que decidi contar-vos uma pequena história, que se passou quando eu era um pré-adolescente.
A casa dos meus pais sempre foi uma casa de gatos, até porque sempre vivemos num apartamento e o meu pai sempre achou – e bem – que não havia condições para termos cães, portanto era pouco o meu contacto com eles. (hoje quem manda em minha casa é esta descarada que se chama Pink e que toma conta de tudo).
Tinha 13/14 anos, e nas minhas ferias grandes, lá fui para a remota aldeia da Beira-Baixa da qual o meu pai era oriundo, e onde ainda viviam os meus avós. Nesse ano, e para minha surpresa, os velhotes tinham lá um canito muito simpático, o Mimoso. Era preto e castanho como os tackles, mas mais compacto e robusto, de pernas mais altas. E foi um grande companheiro durante o tempo que lá estive: brincalhão, muito meigo, afeiçoou-se-me e não me deixava sozinho um minuto, um verdadeiro cão de companhia. Contudo, e ao contrário do que se passa normalmente, o Mimoso não estava autorizado a entrar na casa, dormia na soleira, que era coberta, sendo, no entanto, muito bem tratado.
Quando vim de lá para regressar às aulas, as minhas saudades, estenderam-se dos meus avós ao cãozinho que tão bem tinha preenchido as minhas férias.
No ano seguinte, mal cheguei a primeira pergunta que fiz à minha avó foi:
- Onde é que está o Mimoso?
- Ah! O Mimoso morreu.
- Morreu como? Perguntei eu de coração apertado.
- O cão era do Alberto (o Alberto era um tio meu casado com uma irmã do meu pai, e que estava emigrado em França) e era para ser cão de caça. No 1º dia que ele o levou, o cão fugiu com medo dos tiros. Como não prestava para a caça, o Alberto deu-lhe um tiro.
Fiquei completamente estarrecido. O cão não cumprira a função que lhe estava destinada e foi sumariamente executado.
Nunca tive grande contacto com aquele tio, mas a partir desse momento acho que comecei a detestá-lo e nunca mais o consegui encarar sem um grande ressentimento.
Passados uns anos, já adulto, comecei a entender a visão daquelas pessoas, embora não a partilhasse. Para eles, como em tantas aldeias deste país, o animal qualquer que ele seja, tem a sua função: a cabra e a vaca dão leite, o porco tem o destino traçado mal é adquirido, a mula ou o macho carregam pesadas cargas tal como as juntas de bois, e os cães guardam rebanhos e casas ou caçam. Se não servirem os fins para que são criados, não merecem o comer que se lhes dá, portanto a execução é fatal. Ao que parece, os gatos são os únicos tratados com menos severidade.
É tudo uma questão de mentalidade. Ali não há lugar para cão de companhia. Se não faz nada que justifique o que come, não tem como continuar a viver, é considerado um despesa no pequeno orçamento familiar, mesmo que só se alimente de restos.
Esta é a regra – que como todas tem as suas excepções – vigente e não sei quando mudará. Aliás, os argumentos que a sustentam são difíceis de rebater junto de pessoas que entendem que cada animal deve cumprir a sua função, e que qualquer que ela seja, deve reverter em benefício para o seu dono.
Numa época como a que atravessamos, não sei o que será mais cruel: se abandonar um animal à sua sorte, sujeito a passar fome, maus tratos ou ficar estropiado ao ser atropelado em qualquer estrada, ou acabar-lhe logo com a agonia. Por muito que isso nos pareça pouco menos que primitivo
E já agora, para que nem tudo seja triste:
Nota: Há uns tempos, soube quera vulgar encontrar muitos cães mortos nas matas, no 1º dia de caça
Também é habitual, quando as cadelas/gatas ficam prenhas, enterrarem os bebés porque não há quem queira ficar com eles. Vivos.
ResponderEliminarVerdade São João. Mas não quis pintar o quadro ainda mais negro.
EliminarSe te falasse da quantidade de cães que o meu pai tem e não prestam para a caça, nunca mais saía daqui. Às vezes, trocam os animais e um cão que em casa só dá despesa vai cumprir a sua função de companhia ou guarda noutro lugar. Sempre é melhor do que os abater.
ResponderEliminarTambém sei por experiência que às vezes os animais perdem-se, especialmente se forem novos, no primeiro dia de caça, e nunca mais os donos os encontram. O meu pai já andou muitas vezes à procura dos dele e de outros que sabia perdidos, nem sempre a história acaba bem. Claro que também há quem aproveite ir caçar para longe para se esquecer onde deixou os bichos, é normal vê-los pela terra, toda a gente sabe o que aconteceu. Aliás, é fácil distinguir os que se perdem dos que são abandonados, os segundos nunca trazem coleira.
No entanto, os caçadores registados em zonas venatórias têm de pôr chips nos animais, para o caso de se perderem, para o caso de os maltratarem. Cada animal tem o seu livrete, com nome, data de nascimento, cor, tamanho, etc.. E há pesadas multas para quem for apanhado com animais sem identifacação/chip.
Depois há pequenas tragédias que acontecem nos dias de caça. Lembro-me de o meu avô ter chorado no dia em que matou por acidente uma cadelita do meu pai. A bichinha foi atrás de um coelho e ele não se apercebeu que ela estava na moita.
Embora também saiba que o guarda florestal matou vários gatos meus, diz ele que por acidente.
Tudo vai da consciência de cada um, da sua educação animal.
Para acabar este testamento, posso dizer-te que o meu pai registava as semanas de gravidez das cadelas, os dias dos partos, a idade dos cachorros, embora nunca soubesse muito bem a quantas andava em relação aos 4 filhos. É por estas e por outras que a minha mãe lhe diz coisas como "vai dar de comer aos teus outros filhos, que não param de ladrar e incomodar os vizinhos".
Como disse rapariga, há sempre excepções. O teu pai será uma delas _)
EliminarEu adoro animais! E digo sempre que é essa razão pela qual não tenho nenhum de estimação. :)
ResponderEliminarEra incapaz de ter um animal em casa (apartamento), pois sei o espaço, atenção e dedicação que eles precisam.
Em criança sempre tive contacto com cães. Eram sempre perdigueiros porque o meu pai era caçador. E era um dono muito dedicado! Cheguei a ficar enciumada...
Tive um cão que me levava a mochila à escola. Tive uma cadela que fazia pose sempre que via uma máquina fotográfica. Tive outro que batia ao batedor da porta sempre que queria entrar. E tive um que sofria de fome atávica e comeu (literalmente) os estofos de uma Diane...
Depois, tive gatos. Mas nem cães, nem gatos dentro de casa. Sempre houve o lema “gente é gente, cão é cão/gato é gato”. Mas havia quintal e quarto de dormir e wc. E eram muito bem ensinados e disciplinados.
Já não escrevo mais. Fiquei saudosa e com saudades...
É um bom lema, Nêspera. Neste momento, temos possibilidades de dar atenção e cuidado à nossa cadela, que pode fazer o exercício que quiser :)
EliminarMeu querido Vic... deitei a lágrima do costume neste tipo de relatos que me agoniam e deixam sem 'chão'.
ResponderEliminarEu imagino como ficaste (principalmente por ainda te lembrares) traumatizado com isso na altura em questão.
É desumano enterrá-los vivos (também acontece na aldeia da minha mãe), é desumano abandoná-los à sua mercê, amarrá-los até eles acabarem por morrer (como escrevi ontem), etc...
Já estou como tu dizes... não sei honestamente qual a pior atitude, mas a esterilização deveria sem dúvida ser gratuita. Diminuía bastante este tipo de situações que uma pessoa passa a vida a ver e a saber.
Uma vez ia a caminho da aldeia e saltou-me a atenção ver uma família enorme parar à beira da estrada (no meio do monte sem nada perto) e colocar fora do carro um baldito de água e comida... e o respectivo cão. Fiquei com aquilo na cabeça todo o dia.
Quando estava a vir para baixo (muitas horas mais tarde), adivinha quem estava na beira da estrada sentado a olhar para todos os carros a passar?!
Tinha eu uns 14 anos e a partir daí disse à minha mãe que ia salvar todos os bichinhos, infelizmente não posso e parte-me o coração.
Mas acredito num futuro melhor.
A tua cadela é a coisa mais amorosa vic!! Adorei a foto dela "like a boss" :D
Pois é, Pin, há muitas medidas que se podem tomar...só que não se tomam.
EliminarTambém tenho outros episódios que dizem muito de como as pessoas podem ser cruéis com os animais.
Até a minha Pink tem uma boa história :)
Ali para os lados de Mafra, é uma tristeza ver os bichos "esquecidos" pelos donos que vão à caça... Um dó mesmo... :s
ResponderEliminarÉ verdade, Palmier. Custa ver :(
ResponderEliminarNão sei o que é melhor para os animais, também! Sei que não consigo entender essa mentalidade de que um animal seja para estar ao serviço do seu dono, nem qual é o prazer de caçar e matar animais. Quer dizer, fazia sentido, quando era para conseguir o próprio sustento...
ResponderEliminarTambém nunca veria com bons olhos um tio desses! :(
Absolutamente sem palavras...
ResponderEliminarFico tão triste que nem sei...tão sem chão...tão revoltada...sem saber o que fazer...
À excepção da Nônô que nasceu aqui em casa todos os meus animais foram resgatados e têm passados bem tristes.