Como é sabido - apesar de alguma inabilidade creio tê-lo sofrivelmente demonstrado em alguns escritos - vivo num bairro muito …mélangé, mas que na minha zona resvala mais para o popular. E eu gosto disso porque, se se aprende nas faculdades, não nos é menos lucrativo o que vamos absorvendo na rua.
Foi assim que, entre um golo de imperial e uma trincadela no pastel de bacalhau, ouvi a Etelvina dizer ao Cabral que não quer mais palavrões no café. Como se percebe, a Etelvina é esposa do Cabral, novel dono da leitaria da esquina - o estabelecimento que, dadas as vicissitudes dos tempos que correm, já mudou de dono uma boa meia dúzia de vezes nos últimos dois anos - e esmerada mãe de um garoto espevitado chamado Raul e uma adolescente borbulhenta que ostenta o esplêndido nome de Tânia Vanessa. Aliás, foi a mocinha o rastilho de uma curiosa sucessão de tomadas de posições da progenitora. Explicando: a rapariga, com a mudança cá para o bairro, foi inscrita numa escola particular, frequentada por filhos e filhas de famílias aparentemente…”bem”. E a Etelvina, como boa pretendente a emergente, começou a assimilar hábitos. A primeira iniciativa foi tentar alterar o nome do seu varão de Raul para Salvador, e que para sua indignação, não foi aceite pelas autoridades.
Depois, foram as “suarés” de sábado de canasta, com as mães de algumas colegas da Vanessa, e que também não acabaram muito bem, porque, além da Etelvina ter algumas dificuldade em assimilar as regras, as senhoras não apreciaram as bolachas de baunilha que elas lhes deu com o chá, porque estavam á espera de scones, que era coisa de que a Etelvina nunca ouvira falar.
- Queriam secónes, já viste? Devem estar pensar que isto aqui é a pensão da Marilú! (esta da “pensão da Marilu” eu podia explicar, mas é um bocado escabrosa).
E assim, nesta progressiva ascensão na qualidade de hábitos, na qual só houve um pequeno retrocesso no episódio dos “secónes”, chegámos ao episódio da proibição do vernáculo. O Cabral, que é temente à matrona - 110 kilos metem respeito a qualquer - espetou um cartaz à entrada no qual consta o recado: “É proibido o vernáculo neste estabelecimento”.
O primeiro comentário acerca do aviso, foi feito pelo Esteves, que quis saber o que é que queria dizer “vernáculo”. Quando lhe foi explicado, inquiriu se estava incluído o concurso de traques que é levado a efeito na noite do 1º domingo de cada mês, e que tem sempre público numeroso e entusiasta. O Cabral aí, ficou um pouco embaraçado, porque é nessa ocasião em que o estabelecimento atinge as suas maiores receitas.
Bem, eu nunca acreditei que aquilo desse grande resultado: “O problema se é que o há, não estará propriamente nas palavras, e sim no nível das conversas”, disse-lhe, mas ele ignorou o comentário. E o tempo tem-me dado razão, naturalmente.
Ainda ontem assisti á seguinte discussão:
Dizia o Antunes:
- Eh pá, a Edite manda cá com um par de meloas, que eu vou-te dizer. Agora no Verão é que se topa bem, com aqueles vestidos decotados.
- Qual Edite? A Edite Pirafo? - perguntou o Simões - põe-te mas é a pau que a gaija agora anda com o Vitorino, e se o gaijo te ouve, espeta-te um chuto nas tarambolas, que te lixa! Agora a propósito: já viste a Isilda, a sopeira dos Bettencourt de Aguiar e Melo, com aqueles tops curtos? Noutro dia passou por mim com um que só lhe tapava metade dos marmelos, e quando me voltei para trás para lhe ver bem a regueifa, topei que a gaija fez uma tatuagem nas costas, que lhe vai mesmo até ao rego do paiol.
Enfim, como se vê, eu tinha razão. Fica a consolação, que o léxico do pessoal se está manifestamente a enriquecer.
Isto dos palavrões tem tanto que se diga.
ResponderEliminarFico admirada com os sinónimos que os seres do género masculino arranjam para descrever partes da anatomia feminina. Tenho de lhes tirar o chapéu: imaginação não lhes falta.
Um mimo!
É. Os rapazes são muito criativos Pérola :)
Eliminarehehehe quem não tem cão, caça com gato...se é proibido dizer asneiras arranjam-se sinónimos.
ResponderEliminarA língua portuguesa é muito traiçoeira e os portugueses são super imaginativos :)))
Pobre Etelvina que só queria ser fina eheheh
:)
À Etelvina, a vida de dondoca não tem corrido nada bem, Maria :)
EliminarBrilhante :))
ResponderEliminarRealmente viver num bairro de Lisboa é uma riqueza de experiências. E assim se confirma que o 'mal' não está nas palavras em si, mas em como as usam. Confesso que gostei de ver até onde lhes chega a imaginação, achei mais engraçado o uso das novas expressões :D
(não penses que te escapas de contar a da pensão da Marilú) :)
Eu também, TR. Não sou muito adepto do veráculo, confesso. Gosto mais assim :)
Eliminar(Ah! a história da Marilu...pois, vou pensar no assunto:). )
:)
Eliminar(ohhh, vá lááá...)
Que tasca tão bem frequentada...Diz-me Vaporub, já ganhaste algum 1º prémio nesse concurso do primeiro Domingo de cada mês?
ResponderEliminarNunca concorri.
EliminarEstou a ver que a vizinhança é do melhor e é muito perspicaz :)
ResponderEliminarPodes crer, Raina. E ainda não sabes da missa metade:)
EliminarIsto quase que vai parar ao beco das sardinheiras do mário de carvalho :)
ResponderEliminarMadragoa, Mak. Queres mais típico que isto? É só cá vires dar uma voltinha :)
EliminarAinda me fartei de rir com a emergente Etelvina, que queria trocar o nome do filho Raul para Salvador, mas deixava a filha continuar a chamar-se Tânia Vanessa, esse sim do mais popularucho que há e a dar aquele toque de comuna empedernido... :)))
ResponderEliminarE a nova madame a "jogar" canasta, sem saber o que era um scone e a oferecer bolachas de baunilha às parceiras, também está um must. Isso de viver entre a Madragoa e a Lapa é very typical... :D
Coisas de nova "madame", Teté :)
EliminarTrazem o dicionário de sinónimos no bolso de trás?
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