sexta-feira, 4 de maio de 2012

Faz hoje um ano: 4 de Maio de 2011, o 1º dia do resto da minha vida

Faz hoje um ano: 4 de Maio de 2011, o primeiro dia do resto da minha vida. No dia anterior fizera a última sessão de uma série de 33 tratamentos de radioterapia, período durante o qual me submeteram também a 3 internamentos de 24 horas para fazer sessões de quimioterapia. Motivo: um carcinoma na laringe, diagnosticado uns meses antes.
De início, os médicos de otorrino tinham-me sugerido que a operação para remoção total da laringe seria a única solução, dado o estado avançado do tumor. Tal, implicaria ficar o resto da vida a respirar por um tubo inserido na base do pescoço e a perda da fala, que poderia recuperar alguns meses mais tarde, embora não da forma tradicional. Aterrorizador,
Contudo, na consulta de grupo onde pela primeira vez me puseram a alternativa de tratamentos em vez da operação radical, a doutora de oncologia médica decidiu por mim, que aquela seria a melhor solução, o que de certa forma me aliviou, mesmo lhes conhecendo alguns dos efeitos secundários.
A quimio, creio que quase toda a gente sabe como se faz: um catéter no braço, o soro a limpar as veias durante 2 horas, a seguir e pela mesma via, a mistura química a percorrer o organismo outras 2 horas. No fim, outra vez o soro, mais 2 horas.
Para a radioterapia fui à escuras. Primeiro fizeram-me um molde da cara, a partir do qual fizeram uma máscara de um material especial, só com aberturas para os olhos e nariz, que me cobria a cara e os ombros. A 1ª vez que vi aquilo, pareceu-me a máscara do Hannibal Lecter. Durante os tratamentos, deitava-me numa marquesa, aplicavam-me a máscara que era fixada à marquesa, de modo a que a minha cabeça ficasse imóvel durante o tratamento. Que não durava mais de 5/7 minutos e era completamente indolor. A máquina "sobrevoava-me" num raio de 180º, e parava em ângulos determinados, de onde irradiava a lesão.
Aparentemente, a coisa era simples. Só me apercebi perfeitamente pelo que iria passar, quando comecei a sentir os 1ºs efeitos secundários. Da quimio, as náuseas, os vómitos, mal-estar potenciado pela radioterapia. Desta, a falta de energia, o não conseguir concentrar-me sequer para ler uma página de um livro, por vezes a impaciência, a queda de parte da barba (esta a menos problemática, por mim até gostaria que tivesse sido total e definitiva), e a tiróide que deixaria de funcionar, obrigando à toma de um comprimido diário ad eternum.
Nunca deixei de conduzir, excepto nas alturas em que fui internado para fazer as 3 sessões de quimio. Saía para ir de vez em quando às compras com a minha mulher ao Corte Inglês, e várias vezes tivemos que abreviar o que estávamos a fazer porque não me aguentava em pé. Deixei mesmo de conseguir ir à rua passear a minha cadela. Subir as escadas exigia a energia de uma subida ao Everest.
Verdadeiramente, não consigo expressar em toda a sua amplitude, aquilo que fui sentindo durante aqueles tempos mais difíceis. Muita vez tive que aguardar mais de uma hora pela minha vez na radioterapia. Era muito difícil, impacientava-me, não aguentava sequer sentado tantas as tonturas.
Como os tratamentos eram interrompidos aos fins de semana, aquilo prolongou-se por um pouco mais de mês e meio. Nunca fui gordo. Tenho uns centímetros mais que o metro e setenta, e nunca pesei acima dos 65 kilos. No fim dos tratamentos pesava pouco mais de 50. Felizmente, já recuperei o peso perdido, mesmo que com muitos sacrifícios pelo meio.
No fim da última sessão respirei fundo. O problema maior foi que os efeitos secundários prolongaram -se. Para ser exacto, até há relativamente pouco tempo, ainda alguns se faziam sentir. A minha voz, por exemplo, só voltou ao normal há cerca de um mês. Até então era-me difícil manter uma conversa ao telefone, faltava-me o ar, faltava-me a voz...
Mas o pior julgava estar passado. Era só esperar pelo resultado dos tratamentos. Uma TAC em Junho deu a imagem de uma laringe limpa. Outra em Dezembro, confirmou o resultado. Uma vistoria efectuada em Abril passado por um dos médicos de otorrino, deu no mesmo. Daqui a um mês, nova TAC. Espero que com o mesmo resultado, mas sempre com a terrível dúvida de uma possível recidiva a pairar sobre mim.
Este ano e tal reforçou a minha ideia de que ninguém é auto suficiente, que ninguém consegue ultrapassar certas fases menos afortunadas da vida sem um amparo. (Aos que o conseguem, a minha admiração). .Pelo menos eu não sei o que teria conseguido fazer sem a minha família, mas principalmente a minha mulher. Sem o seu apoio, a sua paciência para as minhas fases impacientes, o tratar de mim e da casa. Da minha cadelita, a quem ainda agora vai passear de manhã e à noite para eu não apanhar o fresco na garganta sensível. Se ainda havia dúvidas, nestes tempos difíceis ela provou quem é o verdadeiro pilar da família.
Por mim, faço o possível por não pensar muito neste acidente de percurso, mas hoje era quase impossível não o fazer, tal a marca que a data deixou em mim. E tento manter o bom humor. O que nem sempre tem sido fácil.

Nota: - A minha gratidão à Drª Margarida Ferreira, de Oncologia Médica, ao Dr. Eduardo Neto, de radioterapia, e aos técnicos e Enfermeira Albertina da radioterapia do IPO de Lisboa, nunca será suficientemente expressa.

39 comentários:

  1. Realmente é nestes momentos, que aqueles que nos amam, são o nosso amparo, a nossa força!!

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  2. :) beijinhos Vic porque mereces! beijinhos e abraços!

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  3. Incrível. Ès grande!

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  4. grande vic! não fazia ideia, talvez porque não tenha chegado aqui ao estaminé assim há tanto tempo…
    tenho acompanhado uma grande amiga num processo semelhante e sei que não são dias fáceis. admiro muito quem consegue passar por isso sem perder a alegria de viver. um grande abraço!...

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  5. A gente ouve falar, mas só quando passamos por elas ou testemunhamos de perto o sofrimento de quem passa é que nos apercebemos bem da fragilidade humana. E de quanto precisamos da família próxima, nesses momentos!

    Enfim, que venham muitos mais anos do resto da tua vida, sem problemas desses! Abraço!

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  6. Tenho uma pequena ideia do inferno por que se passa, aconteceu à mãe de uma grande amiga minha e acompanhei-as desde o início. Ninguém devia ter de passar por tamanho sofrimento, e é de louvar a perseverança e amor, tanto do próprio como de quem o acompanha. Muita saúde, Vic *

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  7. Lamento muito. Esta descrição é de apertar o coração. E ainda bem que tiveste uma família muito presente, ao teu lado... numa fase assim difícil é crucial.

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  8. A parte boa é que pareces já estar a regressar desse Inferno, e isso é o mais importante.

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  9. Não fazia ideia, meu caro. Um enorme abraço e estou certo tudo irá correr bem.
    JC

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  10. Um amigo meu teve o mesmo tipo de cancro na laringe, por estranho que pareça, está a ser tratado com medicinas alternativas, depois de ter sido operado vai para ano e meio. Nunca fez quimio, ainda hoje tem algumas tonturas, a voz alterada, por vezes falta de energia. Está limpo, dizem os médicos, e com força de vencer. Para ele, também a mulher foi o pilar essencial.
    Está a recuperar muito bem, mas foi uma fase terrível a que passou.
    "Esta merda de doença" já lá dizia o Miguel (Portas), atinge-nos a todos.
    Testemunho fantástico o teu. Seguramente és um vencedor.

    epá o mau humor que tivémos que aguentar...é mesmo assim, o principal é acreditar que tudo vai correr bem. Acreditar, e nós acreditamos.
    Grande ABRAÇO.

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  11. a saúde o bem mais precioso tal como o amor, não vale a pena perder-se o tempo com mexeriquices, e outras maldades sem sentido.
    não perdeu o seu bom humor o que é um triunfo verdadeiro.
    conhecemos sempre alguem a passar ou que já passou pelo mesmo, fundamental os amigos, a família.
    devo dizer que os serviços do IPO fazem-nos regressar a casa com a certeza de tudo ir correr bem. são das poucas coisas boas nos nossos serviços de saúde.
    tudo de bom.

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  12. choac passarinho!!!!!

    lost in translation ;)

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  13. Puxa, Vic, eu também não sabia. Faço uma pequeníssima ideia desse inferno, porque nos últimos 2 anos tive (e tenho) duas pessoas próximas numa luta semelhante. Sinto-me sempre tão pequenina face à coragem que demonstram perante tanto sofrimento, que quase nunca falo e só as abraço. Fica aqui um abraço meu também, Vic.

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  14. Vic, espero que a todos os 4 de Maio vindouros estejas a escrever um post a dizer que está tudo bem. Tive um caso parecido de uma pessoa próxima e é fundamental o apoio dos que são próximos. Abraço.

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  15. Caramba, nem sei que diga. Uma provação! Desejo sinceramente que se mantenha a boa estrela destes últimos meses, e a cura seja definitiva :)

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  16. lá o humorzinho parvo mantiveste :P

    (és o maior, Vdeida. e eu não vou dizer mais nada, porque tu já sabes :)*)

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  17. desejo a continuação de tacs limpas :)

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  18. Poderia dizer-te aqui muitas coisas, emocionei-me ao ler-te, lembrei-me do sofrimento que passaram algumas das minhas pessoas, principalmente a minha tia Inês, que não lhe resistiu, mas a ti, quero só deixar um abraço, daqueles que se dá aos amigos quando ficamos sem palavras para expressar aquilo que estamos a sentir.

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  19. Eu sabia! Eu sabia que eras um lutador e um herói! :)

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  20. Espero que continues a ter resultados bons nos exames.E desejo tudo de bom para o resto da tua vida Vaporub( desculpa não resisto)!**

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  21. Espero que continue a correr tudo bem :)

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  22. para mim o meu pilar foi a minha mãe.
    quando eu deveria estar a tomar conta dela está ela com 82 anos a tomar conta de mim.
    não tenho carcinoma. tenho diabetes e mais complicações, a minha vida há dois anos para cá tem sido para esquecer.

    depressão e muitas muitas complicações, o vir aqui ler o seu depoimento deu-me alento, por estranho que pareça.
    muito obrigado
    para si desejo o melhor
    Fernando

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  23. Esta é para te lembrares deste 4 de maio :)

    http://youtu.be/2zqFDRA1HY8

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  24. Emocionei-me ao ler o teu testemunho (de uma realidade que conheci bem e que nos venceu). És um lutador, e tens uma grande senhora ao teu lado, isso é o que celebramos agora.

    Bjs

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  25. A todos vocês o meu bem hajam.

    P.S. - uma palavra para o anónimo Fernando: meu caro, desejo-lhe tudo de bom, e especialmente muita força para vencer primeiro a depressão. É a depressão que não nos deixa ir em frente. Vencida, tudo se tornará mais fácil, julgo eu. Fico feliz, por de certo modo, ter podido ajudar.
    Mais uma vez, tudo a correr pelo melhor

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  26. Impossível não me emocionar com este teu relato. Tu e a tua mulher fizeram das fraquezas, forças. E, graças ao poder do amor, vão conseguindo ultrapassar, passo a passo, os maus momentos porque que passaram. Que a vida, e a saúde, vos continue a sorrir!

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  27. Não tenho mt mais a acrescentar ou a dizer. Só sei que o sofrimento gera forças e coragens que sabe bem serem reconhecidas, vividas, sentidas, partilhadas.
    Desejo a continuação dessa força, da presença de pilares, de partilhas.
    Por muitos e muitos anos. Com tudo a correr pelo melhor, mas com a certeza que das fraquezas nascem forças e laços mais intrínsecos do que o que se poderia imaginar/ esperar.
    Um beijo grande, do tamanho do mundo. No Vic e na sua mulher-companheira.

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  28. Desconhecia esse momento, talvez por que seja "nova" por estas bandas.
    Li e, hoje, mais do que nunca sinto uma grande admiração por ti.
    Venceste essa luta e fico feliz por isso.

    Um beijinho especial e bom fim-de-semana.

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  29. Muito, mas muito feliz por ti :)

    Cadês
    Almofariza

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  30. Stilleto, Mesmica, Marta e Almofariza: a vocês também o meu bem hajam pelas palavras e pelos votos :). Não tenho outra maneira de agradecer o vosso carinho e apoio :)

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  31. Que a partir daquele dia a vossa vida tenha passado a ter um novo "sabor". É bom saber que há pessoas que sobrevivem às coisas más com sucesso...mais além de ters ultrapassado essa fase menos boa continuas a ser uma pessoa positiva, alegre e de certeza muito mais grato a tudo e todos. beijos nossos

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  32. Bom humor, sempre. Sempre! Ok?

    Abraço.

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  33. Lemos diáriamente os blogs que gostamos, sabemos muitas das coisas que esses bloggers gostam, vêm, pensam. Mas nunca imaginamos o que passaram, as suas vidas por completo.
    Fiquei triste por saber o que tiveste de passar mas feliz por teres superado. Parabéns pela força ;)

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  34. Li o teu texto há uns dias (no telemóvel, porque estava sem o computador) e não tive uma frase suficientemente significativa para te dizer. Achei que tudo o que pudesse acrescentar ou já alguém tinha dito ou era insignificante. No entanto, fiquei a pensar no que te aconteceu e tive de cá voltar. Dizer-te que, de vez em quando, a vida nos dá estas pauladas na nuca mas, se as sentimos, é porque estamos cá. E isso, é um excelente sinal! Ainda bem que superaste :)

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  35. Vic

    O médico que me operou teve o mesmo problema, tinha por hábito entrar nas salas de raio x sem protecção!
    Quando foi detectado estava em estado muito avançado,teve que ir para NY,porque cá estava morto e, felizmente correu tudo bem e ficou a exercer medicina nos EUA.

    Disse-lhe uma vez que quem salva uma vida salva o mundo, salvou a minha e felizmente a dele também.
    Quanto a si, ainda bem que tudo correu bem!!!

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Eu leio todos com atenção. Mas pode não ser logo, porque sou uma pessoa muito ocupada a preencher tempos livres!