Hesitei muito antes de escrever o que segue. Por vários motivos que decerto
descortinarão, ao lerem a história até ao fim.
Peço-vos, aos que o lerem, para não procurarem nada nas entrelinhas. É que não vale a pena porque as não há.
Por volta das 11 da manhã do dia 28 de Maio de 1996, recebi uma chamada no emprego. Do outro lado, a notícia de que o S. acabara de nascer. Pensei:"Safado! Adiantou-se 2 meses". Comuniquei que tinha que sair, e corri para a maternidade do Hospital de D. Estefânia, onde, depois de me ter identificado, uma enfermeira me levou ao berçário. Vários recém-nascidos, uns a berrar, outros mais calmos, olhavam sem ver, agitavam-se. Depois de uns segundos, apontei um: "É aquele, não é?". A enfermeira olhou-me incrédula: "Como é adivinhou?". Um feeling qualquer acho eu.
(Uma nota que se impõe nesta altura do relato: o S. não é meu filho ou enteado.)
Prematuro, requereu alguns cuidados a princípio, mas depois começou a crescer normalmente como qualquer outra criança. Bonito, de cara redondinha e grandes olhos, cabelito alourado, tornou-se uma criança sociável, alegre e de bom discernimento. Foi razoavelmente rápido em tudo: no aparecimento dos dentes, a andar, a dizer a sua primeira palavra.
Muito concentrado, achava-o, por vezes, demasiado sério para a idade.
Começou a interessar-se por livros com figuras, especialmente aqueles em que apareciam animais. Aos 2 anos, tinha já um conhecimento razoável sobre eles, e conhecia mesmo os mais estranhos, tendo por vezes a dificuldade natural para a idade, em soletrar alguns nomes. Mas distinguia perfeitamente um gorila de um chimpanzé, ou um dromedário de um
camelo.
Aos 3 anos entrou para a escolinha e nós seguíamos a sua evolução com muita satisfação.
Porém, num dia de Janeiro, já com 4 anos e meio, apareceu com os olhos inchados. Pensámos tratar-se de uma conjuntivite, levámo-lo à minha oftalmologista que achou aquilo estranho, mas considerou possível a hipótese da conjuntivite e medicou-o. Não resultou. Levado daí a 2 dias ao hospital, uma médica disse, mal o viu, que aquilo era um problema de rins e não era nada bom.
Resumindo, e depois de todos os exames feitos, o S tinha contraído um síndroma nefrótico, doença pouco conhecida, de tratamento complicado. Ficou internado no D. Estefânia durante um pouco mais de 3 semanas, até voltar ao seu estado normal, através de um tratamento à base de cortisona.
Aos poucos, fomos sabendo algo sobre a doença.
1- que o doente, depois do 1º tratamento pode ficar curado; que pode não ficar curado, ter várias recaídas, mas que a doença pode desaparecer na mudança da idade; que pode ter recaídas durante toda a vida; que em casos extremos, pode dar origem a que necessite de fazer hemodiálise, e que tem havido mesmo casos fatais.
2- que o tratamento seria sempre à base de cortisona o que além de poder provocar mais tarde problemas cardíacos, tem outros efeitos nefastos, como cansaço, apetite excessivo e o dificultar o crescimento físico e intelectual, entre outras coisas.
O S esteve uns tempos bem, até que recaiu. Começou a fazer novamente cortisona, mas já sem necessitar internamento. Acabou a medicação, ficou uns tempos bem, e recaiu de novo. E assim foi a vida dele durante uns anos, bastava uma faringite para lhe provocar uma recaída. Tornou-se corticodependente.
A certa altura tentou-se um tratamento com imuno-supressores que pareceu dar resultados - esteve 2 anos sem recaídas, mas no fim do ano passado voltou à cortisona.
Nas primeiras recaídas, e devido ao cansaço, a médica até aconselhava que não fosse à escola durante uns dias, tendo em conta a dificuldade em controlar o esforço de uma criança nas suas brincadeiras com as outras.
Víamo-lo crescer, nunca foi dos maiores, mas nada de anormal. A princípio, a minha preocupação residia no crescimento intelectual, mas ele continuava a aprender com facilidade, sendo sempre, se não o melhor da sua turma, dos melhores.
Quando transitou para o secundário, não estranhou, mas chegou uma altura em que pareceu desinteressado. Foi então que a professora de Matemática chamou a mãe do S. à escola e disse-lhe que ele andava desinteressado, porque os seus conhecimentos já estavam demasiado adiantados em relação à matéria que estavam a dar e que aconselhava a que ele fizesse testes psicotécnicos para determinar as suas capacidades reais, mas que ela considerava que o S deveria transitar directamente do
5º para o 8º ano, opinião que nos surpreendeu enormemente. Descobrimos depois, que no princípio do ano, logo que a mãe lhe comprou o caderno de exercícios de matemática, ele tinha feito todos os exercícios do caderno durante a 1ª semana de aulas.
Os testes e a avaliação efectuada pelo psicólogo especializado,
corroboraram a opinião da professora de Matemática.
Consideraram-se prós e contras, expôs-se o caso ao Ministério da Educação, mas como se achou demasiado um salto de dois anos, sugeriu-se que fosse colocado no 7º ano. Sugestão prontamente aceite, o nosso rapaz lá foi para uma turma de rapazes e raparigas que eram no mínimo, um ano mais velhos que ele. Ainda por cima, tinha fama de ser uma turma difícil. Corria pois o risco de ser alvo de bullying: era o mais novo, o mais pequeno, e era bom aluno.
Surpreendentemente, viemos a saber tempos depois através dos professores e colegas, que o S era, pelo contrário, muito respeitado e ouvido, tendo mesmo sido nomeado, já no 8ºano, vice-delegado de turma, apesar de ser o mais novo de todos.
Em termos de estudos, entrou para o quadro de excelência logo no 7º ano e nunca mais de lá saiu. Continuava muito interessado em ciências da natureza. Na altura, pensei que ele acabasse por ir para Biologia.
Uma curiosidade: o S. com 12 anos no 8º ano, tinha como melhor amigo, um
rapaz moldavo de 17 anos. Quando os via, parecia que o moldavo era uma espécie de guarda costas dele. Só alguns interesses de ambos diferiam: o S interessava-se pelo Magic (nessa altura já tinha ultrapassado a fase dos Pokemons), o jovem moldavo por raparigas.
Outra curiosidade: nunca passou por aquela fase embirrante da adolescência.
Outra: até ao 9º ano, o S nunca estudou. Os resultados dos seus testes tinham origem somente naquilo que absorvia durante as aulas.
Alertado de que a partir do 10º ano as coisas iam ser difíceis, e que se queria fazer um curso de que gostasse e que valesse a pena, teria que estudar e trabalhar, ele próprio arranjou rotinas de estudo, ao mesmo tempo que, e mais uma vez, mudava de escola e de turma, novamente com grande facilidade de adaptação, e sempre com o respeito e amizade dos colegas, todos eles bem mais velhos que ele. Hoje no 11º ano, e no dia em que completa 16 anos, só tem colegas já com 17 e 18 anos.
E apesar das faltas em alturas de recaída e que o prejudicam seriamente, no 2º período, teve 16 a Educação Física (uma estupidez esta disciplina contar para as médias) e a Português (a gramática dá cabo dele) 17 a Físico-Química, 18 a Biologia e Inglês, e 19 a Matemática e Filosofia, e naturalmente, continua no quadro de excelência.
Como antes referi, houve uma altura em que o S me parecia demasiado adulto para a idade, muito sério. Hoje, tenho uma ideia muito diferente. Sempre muito bem disposto, encara a doença com o cuidado necessário, mas não a deixando tomar um peso excessivo na sua vida. Sobretudo, nunca admitiu passar por coitadinho, e nunca aceitou prerrogativas diferentes das dos colegas. Tem um sentido de humor fino, e, apesar da sua dedicação ao estudo, continua com as cartas do Magic e a jogar PlayStation. A leitura é outro dos seus hobbies.
A última dele foi curiosa e ao mesmo tempo, diz bem do seu sentido de responsabilidade. Na semana passada dissemos-lhe: "Então, para a semana temos festa, é o teu aniversário!" Resposta dele: "Acho que vamos ter que adiar o aniversário. Para a semana tenho 4 testes ".
Nunca tive ídolos na minha vida. Se tivesse que ter um, seria o S, que tem ultrapassado as vicissitudes da sua ainda curta vida com a força que muitos adultos não têm e com um sorriso nos lábios.
A S. que no dia 28 de Maio de 2112 terá 116 anos.
Qualquer doença é chata, principalmente quando aparece nos primeiros anos.
ResponderEliminarMas é bom ver que ele lidou bem com ela e que está a ser bem sucedido :)
E Magic é um optimo jogo para o raciocinio e tactica, tal como Playstation. Ao contrário do que muita gente pensa, jogos fazem bem. Eu sei que só fui tão longe nos estudos e acabei a licenciatura porque os jogos deram-me muita capacidade de raciocinio e lógica, caso contrário, nunca o teria feito porque nunca fui capaz de estudar.
É verdade. Ajuda um bocado, faa. Embora o S não precise de grandes estímulos :)
Eliminar:) beijinhos para ele e para ti!
ResponderEliminarGracias, Miss :)
EliminarO Sebastião parece-me um puto raro nos dias que correm. Isso aliado à doença que ciclicamente o chateia, só o torna mais especial.
ResponderEliminarParabéns, Sebastião!
Vic, falas do puto com um orgulho do caraças. Cool. :)
Demasiadas vezes o chateia, o que lhe provoca faltas à escola que nesta altura do campeonato, fazem diferença. Antes, podia faltar uma semana que recuperava no mesmo dia. Agora é mais difícil, Troll. Tem mesmo que trabalhar, e ele estuda mesmo. Apesar de poder ser considerado sobredotado, mas só isso não dá.
EliminarE tens razão, tenho um grande orgulho nele :)
O S. é uma força da natureza, um rapaz surpreendente, admiro pessoas assim ainda mais tratando-se de uma criança que já passou por tantos obstáculos.
ResponderEliminarParabéns ao Sebastião!
Podes crer, Rainha. É um rapazinho extra. Sempre muito paciente quando as coisas correm menos bem, e sempre com um sorriso.
EliminarAinda por cima, muito trabalhador. Ele sabe que é ele que tem que definir o seu futuro.
Gracias :)
uma frase só: procura e encontrarás :)
ResponderEliminarB&M
Detesto enigmas. Só em filmes ou livros, e esses, sou eu que os procuro.
EliminarAs crianças conseguem dar-nos lições no que toca à forma de encarar a vida, e o teu S. é um exemplo disso. Um grande abraço para ele e outro para ti!
ResponderEliminarPodes crer. No caso dele, tem mesmo sido uma lição de vida, Rafeiro
EliminarObrigado. Abraços retribuídos :)
" Descobrimos depois, que no princípio do ano, logo que a mãe lhe comprou o caderno de exercícios de matemática, ele tinha feito todos os exercícios do caderno durante a 1ª semana de aulas."
ResponderEliminar"Surpreendentemente, viemos a saber tempos depois através dos professores e colegas, que o S era, pelo contrário, muito respeitado e ouvido, tendo mesmo sido nomeado, já no 8ºano, vice-delegado de turma, apesar de ser o mais novo de todos. Em termos de estudos, entrou para o quadro de excelência logo no 7º ano e nunca mais de lá saiu."
"Outra curiosidade: nunca passou por aquela fase embirrante da adolescência. "
"E apesar das faltas em alturas de recaída e que o prejudicam seriamente, no 2º período, teve 16 a Educação Física (uma estupidez esta disciplina contar para as médias) e a Português (a gramática dá cabo dele) 17 a Físico-Química, 18 a Biologia e Inglês, e 19 a Matemática e Filosofia, e naturalmente, continua no quadro de excelência. "
"Nunca tive ídolos na minha vida. Se tivesse que ter um, seria o S, que tem ultrapassado as vicissitudes da sua ainda curta vida com a força que muitos adultos não têm e com um sorriso nos lábios. A S. que no dia 28 de Maio de 2112 terá 116 anos."
Nem mais :)
Pois (não aprecio grandemente respostas de anónimos, principalmente quando não o são, depois, não vejo lógica nas respostas que se limitam ao copy paste de parte do textp, sem mais nada. Aparentemente)
EliminarParabéns à família e em especial ao Sebastião.
ResponderEliminarBeijo enorme para ele
Obrigado por nós e por ele T. ;) De certeza que ele retribui :)
EliminarGrato pela visita
Rapaz corajoso, cheio de garra, de força, de vontade de viver. Felizmente não se deixou cair, não admitiu o rótulo de coitadinho, não quebrou. Fez-se forte, criou raízes sólidas, impôs-se, apesar das dificuldades. Não sendo estudioso, é bastante inteligente - o que é ainda melhor. Gostei dele. Gostei de ler o amor que sentes pelo S. Parabéns a ele e a quem o tem acompanhado ao longo desdes 16 anos de vida.
ResponderEliminarObrigado S* :) mas olha que ele é estudioso. Ele agora sabe que não basta a inteligência para tirar as notas altas que tem que tirar.
EliminarFico muito grato por acompanhares e pelas tuas palavras :)
Então felicidades para o S e para todos os que participam do seu crescimento*
ResponderEliminarObrigado, tétisq :)
EliminarParabéns ao S.!
ResponderEliminarConheço um miúdo que os professores também quiseram que ele saltasse dois anos para a frente, por ser sobredotado, mas os pais não alinharam que não queriam que o filho tivesse nenhum tratamento especial. Resumindo, aborrece-se que nem um peru nas aulas, que já sabe aquilo tudo de cor e salteado ainda os outros nem sabem do que se está a falar. Recentemente disseram-lhes que iam arranjar um tutor especial, para o acompanhar. Mas claro, bem pode esperar sentado... :P
Tanta responsabilidade junta num miúdo de 16 anos é invulgar. Mas nunca se sabe se a infantilidade e/ou imaturidade não surge mais tarde, fora de época! Esperemos que não. E que os seus problemas de saúde se resolvam de uma vez por todas, que aí sim, é um herói! :)
Acho que o problema da infantilidade serôdia não vai surgir, Teté :)
EliminarObrigado pelas tuas palavras. Sabes que prezo sempre as tuas visitas e o que aqui deixas :)
Uma história de vida fantástica!
ResponderEliminarRelativamente à doença, é a casos destes que recorro quando penso no que me vai afligindo por casa...e fortalece-me.
beijinhos
Foi uma das minhas preocupações, mostrar a pessoas com problemas semelhantes, que as coisas podem sempre correr melhor do que a principio nos parece, Nina :)
EliminarObrigado. Beijinhos para ambos
Estou sem palavras...S* deve ser um miúdo espetacular, não admira que sintas tanto orgulho nele :)
ResponderEliminarPARABÉNS ao S* e um beijinho aos dois :))
É mesmo, Maria. Estivemos há pouco a festejar o seu aniversário. Só intervalou os estudos o tempo estritamente necessário para jantar :)
EliminarNem tudo são rosas... sei bem do que falo quando se refere a doenças crónicas que irrompem, sem aviso, na vida das crianças :( e, também eles têm os seus momentos de incompreensão (do porquê a mim?), mesmo não sendo (e nunca os fazendo) de coitadinhos. Há doenças tramadas, que interferem no dia-a-dia e que levam, por vezes e sem que eles o compreendam, a momentos de revolta. Que implicam uma explicação (que também não temos) e um levantar de ânimo e um bola para a frente que nos cabe a nós pais, ou àqueles que são próximos. A vida é assim e prega-nos partidas que não conseguimos controlar. Mas tenho por hábito dizer (sempre) que os cientistas estão a trabalhar nisto e que, mais tarde, ou mais cedo, vão chegar lá.
ResponderEliminarAinda bem que o S passou por cima desta adversidade de forma tão "pacífica". Fico feliz por ele :)))
Obrigado, Palmier. Concordo contigo, embora ele vá passando pela adversidade. A coisa de vez em quando volta, e agora faz uma grande diferença uma vez que interfere nos estudos deles, uma vez que o faz faltar às aulas,2 ou 3 dias. E ele está na altura de ter notas muito elevadas, para que possa entrar na Universidade.
EliminarMais uma vez, ficamos gratos :)
Se não queres respostas anónimos basta escolher não os ter como nós fizemos, tens essa escolha no comentar como: etc.
ResponderEliminarEnigmas têm sido imensos aqui para estes lados.
O que te queríamos dizer não é nada ofensivo, antes pelo contrário, mas admitimos que teria de ser uma conversa olhos nos olhos.
Faz parte da ideia que somos matéria e não só, e que uns têm o poder, se a isso se pode chamar poder de conseguirem "avistar" para além de, pode ser o caso do teu S. Bom para ele, mas a precisar de acompanhamento, se for esse o caso, como temos quase a certeza que sim.
Fica bem.
Boa noite para ti e família.
Tudo de BOM
Desejo-te todo o Bem que Desejo para MIM.
Namasté
Não somos malucos, e já somos uns tantos, juntamo-nos normalmente em sessões semanais, uma a duas vezes por semana.
ResponderEliminarA incompreensão é muita, por isso ainda não comunicamos abertamente, existe o medo e o medo não pode existir.
Para que acredites um pouco em NÓS, informo-te que, brevemente, haverá um acontecimento que iniciará uma nova guerra a nível mundial. Morrerá muita gente e POrtugal nõ será poupado.
Quando lá chegares, lembrarás estas palavras, e de nos teres chamado uns idiotas.
:)
ACREDITA
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