terça-feira, 15 de maio de 2012

A(nother) Day in the Life (mine, course)

Hoje foi dia de voltar ao IPO. Nada de extraordinário, uma TAC de rotina (espero). 
Na altura em que os médicos detectaram que o animazinho se tinha acomodado na minha laringe, acharam por bem que fosse submetido a uma PET - tomografia por emissão de positrões (um exame não invasivo mas chato, porque exige uma imobilização total durante várias horas e que se destinava a detectar se o intruso teria estendido os tentáculos a alguma outra parte do corpo). 
Na altura, surgiu uma suspeita à vista de uma imagem anómala surgida num pulmão, e que a confirmar-se, alteraria por completo s procedimentos subsequentes. Contudo, uma TAC complementar indicou que tal se deveria a uma pequena pneumonia mal curada). Apesar do diagnóstico favorável, o médico pneumologista que me acompanha, decidiu que faria TAC's a cada três meses, com o fim de detectar se havia evolução ou regressão da sombra, e a coisa tem corrido bem. Se alguma tivesse que me referir em relação aos médicos que me têm assistido, é que têm sempre actuado por excesso nunca por defeito. E a minha relação directa e pessoal com eles já conta 21 anos (sim, este não foi o primeiro incidente, mas isso são outras histórias que a seu tempo relatarei). 
Apesar de há tanto tempo pisar aqueles caminhos, e, muita vez parecer que o faço já quase maquinalmente, há coisas às quais nunca me habituei, uma delas, o olhar inquieto, ansioso, muitas vezes angustiado daqueles por quem passo a caminho da sala onde farei o exame. Sejam doentes ou os familiares que os acompanham. Outra, esta pior, a presença de crianças. 
Certa vez, a "minha" enfermeira de radioterapia - com a qual tinha uma consulta em que me indicaria o que deveria fazer para evitar efeitos menores mas nefastos do tratamento - levou-me até um dos seus gabinetes. Para lá chegar, tive que atravessar um serviço onde eram atendidas crianças. Confesso um choque quando vi aqueles miúdos, a maior parte deles já sem cabelo e a exibirem os sinais exteriores dos violentos tratamentos. E contudo, em todos eles a cara alegre, a aparente indiferença com que encaravam o que estavam a passar. Alguns olhavam para mim e eu lia-lhes no olhar "Vai em frente, vais ver que isto não custa nada". Mas sabia que isso era o que eu queria que aqueles olhos dissessem e não o que realmente queriam dizer e isso doeu-me a sério. 
Sabia que tinha outras consultas de enfermagem pela frente, e pedia interiormente a Deus ou a quem quer que decide estas coisas, que a enfermeira não me voltasse a levar para aquele gabinete, mas ninguém me ouviu. Ainda lá haveria de passar mais duas ou três vezes. 
Sempre de coração apertado.

21 comentários:

  1. Que continue tudo a correr pelo melhor, Vic, sendo que olhar nos olhos das crianças e "ver" que estão a sofrer o mesmo "castigo" não deve ser mesmo nada fácil. Nem para os pais delas...

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  2. É também um pouco assim, de coração um bocadinho apertado, que ficamos ao ler este post. Tudo de bom para ti.

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  3. Faço minhas as palavras da Bluebluesky, Vic *

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  4. Ai, parece que acabaram de me borrifar os olhos com vaporub...
    só te posso desejar o melhor...beijinhos**

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  5. sempre de "matar" qualquer um; o corredor das crianças.
    abraço

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  6. A vida tem caminhos sinuosos. Ora planicíe ora montanha. Nunca sabemos o que nos espera quando pousamos o pé nesta caminhada sem meta.
    Resta-nos tentar o equilibrio, de nós próprios, com os outros.
    Um beijo

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  7. Raios homem, uma pessoa lê estas coisas e depois fica-se para aqui de coração na mão.

    (obrigada por partilhares esta faceta tão intima connosco. São lições de vida e de humildade)

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  8. Uma das coisas que mais me irrita é estar com pessoas que estão sempre a queixar-se da vida, mas que na verdade não têm problemas nenhuns. Dou sempre o exemplo dessas crianças, já choquei algumas pessoas, talvez porque acharam que fui um pouco agressiva, mas penso neles tantas vezes. Um dos meus planos passa por ser voluntária por lá, ainda não fui porque vivo bastante longe do IPO, mas quem sabe um dia.

    Vic, já te "dei" um beijinho hoje? Beijinho.

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  9. E eu, com a devida autorização, também faço minhas as palavras da Bluebluesky...

    Beijinho e força :)

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  10. E dizer o quê?
    Deixo um beijo de conforto, na medida dos possíveis.

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  11. Vic, faço também minhas as palavras da Bluebluesky.
    Aquele abraço*

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  12. :)
    Vá, Vic, agora conta-nos lá qualquer coisa do Marcelino para desanuviar que hoje não pus o rímel à prova de água.

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  13. Vic, estas tuas palavra deixam-me sempre a pensar como de um momento para o outro tudo pode mudar independentemente da idade ou condição social e como nós muitas vezes não damos valor ao que temos. Espero que tudo corra pelo melhor.

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  14. Não imagino, sequer, o que sentiste!
    Nos 2 internamentos do meu filho, ver crianças em estados desumanos, deixava-me desorientada.
    Que Deus ou alguém proteja estas crianças.
    Que corra tudo pelo melhor contigo.
    bji

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  15. Bem hajam. O post não era sobre mim, disso já falei noutra altura.
    Era sobre o quanto me custa o sofrimento dos miúdos, que nunca entendi.

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  16. Foi das piores imagens que já tive e é um verdadeiro atentado à mente mais optimista e pragmática.
    Que tudo corra bem por essa rua inclinada, que às vezes custa a subir, mas sabe muito bem descer.

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  17. É muito curioso que, apesar de Voltaire, a visão de Leibniz de que a Providência toma conta de nós ainda vai persistindo com alguma força. Quem o defende nunca passou por uma ala de hospital cheia de crianças...

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  18. Apesar da crítica de Voltaire aos princípios básicos da Teodiceia, o certo é que optimismo das pessoas, que tendem a ver neste o melhor dos mundos possiveis, é uma treta pegada. Leibniz nunca passou numa ala oncológica cheia de putos, senão não teria sido tão optimista...

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  19. não devia ser possível, as crianças passarem por coisas destas...

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  20. Ver o sofrimento nos olhos de alguém é a coisa mais dura que existe, não imagino como será acompanhar o sofrimento de um dos nossos filhos.

    Não deveria ser assim...nunca

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Eu leio todos com atenção. Mas pode não ser logo, porque sou uma pessoa muito ocupada a preencher tempos livres!