terça-feira, 22 de maio de 2012

Paris et la nostalgie

Há muitos anos, nos meus vintes, numa conversa de café, alguém me perguntou se nunca tinha saudades. “De quê”, indaguei. “Dos anos de rapazito, sem qualquer tipo de responsabilidades, sem ter que cuidar de sujar o bibe, ou as mãos na terra húmida”. Que não, respondi firmado naquelas certezas e arrogâncias - dureza, talvez? - próprias da idade. Que então, na minha perspectiva de vida só podia existir presente e futuro. Com o decorrer dos anos fui-me fragilizando nestas convicções - ou fragilizando-me, tout court, e as saudades começaram a ter uma presença maior do que a que desejaria. Desde as dos cheiros da carqueja, dos tojos e das torgas, que me inundavam quando atravessava o pinhal que já não existe, ao sabor estranho da sopa de beldroegas, de que me fui habituando a gostar. Ou das vezes em que, adolescente, deixava cair propositadamente o lápis, de forma a, ao apanhá-lo, atrevido espreitasse as belas pernas, sempre cruzadas, da pequena professora A, que além da firmeza dos traços do desenho geométrico, me fornecia também um espicaçar extra da libido, que, naquela idade, nem se carece. Aliás, esta figura de mulher, foi predominante nos meus sonhos húmidos de adolescência, com as suas coxas roliças provocadoramente espartilhadas por saias justas, a sua franja e as tranças negras sempre impecavelmente enroladas sobre as pequenas orelhas e a sua boca sugestivamente carmim. Nem se contam as vezes que aquela boca me inspirou nas composições das aulas de português. Com ela, quase esgotei o escasso léxico.
Num dia gélido de Novembro, sentado numa esplanada envidraçada de Saint Germain, lembrei-me dela e dessa descuidada declaração de intenções. Lá fora passavam apressadas as parisiennes - desde que as conheci, sempre achei que a professora A tinha tipo de parisienne, com aquela elegância nonchalant e sexualidade à flor da pele muito própria - e eu olhava-as distraidamente, enquanto ia apreciando o meu chá de menta. 
Por vezes, entrava um novo cliente e um houve, que me pareceu vagamente familiar. Sentou-se quase a meu lado e desdobrou o Le Monde, enquanto pedia um beaujolais noveau. Nessa altura tive a certeza de que era mesmo o Cohn-Bendit, e estranhei que o jornal não fosse o Canard Enchaîné. Estive quase a levantar-me para lhe perguntar se dava razão a Willy Brandt quando afirmara que um jovem esquerdista, daria sempre um bom social-democrata quando chegasse á meia idade, porém a minha natural timidez impôs-se . Mas principalmente, aquele fortuito episódio trouxe-me a noção da realidade, de como aquela cidade é um local onde se encontra quase toda a gente, como descrevia Hemingway no seu Paris é uma festa
E sobretudo, como sinto uma certa nostalgia romântica em relação ao ano de 68 e a tudo o que então se passou na cidade das luzes.

(Ano de 2007)

16 comentários:

  1. :)

    Nunca estive em Paris, quem sabe um dia...

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    1. Espero que consigas ir depressa, Elsa. É uma cidade maravilhosa, quase indescritível. E digo quase, porque um dia destes hei-de postar aqui algumas fotos que fui tirando nas vezes que lá fui :)

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  2. Paris é inolvidável! Tem de conhecer os magníficos e esconsos lugares que eu descobri.

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    1. G. conheço razoavelmente Paris, mas há sempre locais novos a conhecer. E é verdade, é inolvidável. Um dia destes, tenho que postar umas fotos tiradas durante algumas das minhas viagens até lá.

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  3. É uma das cidades dos meus sonhos... e essa tua descrição correspondeu ao que penso de Paris: cosmopolita, elegante, charmosa e inesquecível.

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    1. S* um dia destes faço um post sobre Paris, com fotos de locais que não vêm nos guias turísticos, para se ficar a saber que Paris é mais que a Torre Eiffel e o Arco do Triunfo. E já agora, convence o namorado a levar-te lá. Vais ver que nenhum dos dois jamais irá esquecer.

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  4. Estou a visualizar muito bem a tua professora. Tive uma parecida e acredito que, "na minha altura", já seria coisa rara. Ofereci-lhe "La Rive Gauche" no final da 4º classe, uma ideia da minha mãe que lhe ía a matar e que também calha bem aqui com o teu texto.

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    1. Adorava esta minha professora, foi minha professora de desenho no Pedro Nunes. Nunca mais a esqueci, Alexandra :)

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  5. Paris é sempre Paris. quanto ao ano de 68, se gostas de cinema está bem "caçado" no the dreamers, muito associado ao cinema. um must este filme, existem outros, mas este tem uma provocação e um teasing muito próprio, tout court.
    e um jovem esquerdista não pode ser um social democrata porquê? um jovem esquerdista é um democrata, ou não é? pergunto eu, que sou um jovem esquerdista :)

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    1. Não sei se já vi, B&M. Quanto à pergunta, a resposta é sim. Embora eu não me identifique nada com esta nova social-democracia.
      Cada um escolhe o caminho que acha melhor, não há verdades absolutas.

      (já agora, e quanto às respostas, respondo sempre que entendo haver lugar a novo comentário. Outras vezes, como só me requereria uma resposta género, ok, ou obrigado, acho desnecessário. Não se trata de ignorar ou de falta de educação, ok?:) )

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  6. Dizes bem: essas convicções da juventude que só interessa o presente e o futuro, vão-se diluindo com o passar dos anos... :)

    Quem não sente de vez em quando uma certa nostalgia ao recordar cenas, locais e amigos do passado? Músicas (como a que puseste no post anterior), ao som da qual dançávamos? Aquelas férias que foram tão felizes? Ou de cheiros e sabores de outrora? Ou até de uma asneirola ou outra que se fez, que agora já aparece despida de vergonha, mas fazendo parte de um processo de longa aprendizagem? E tudo surge hoje aos nossos olhos com o romantismo de um mundo desaparecido, mas muito mais ingénuo e crédulo num futuro risonho... Ai, ai! Mas sabe sempre bem, desde que esse estado não seja de permanente viver no passado... ;)

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    1. Tens toda a razão, Teté. Costumo dizer que sou saudoso, mas não sou saudosista. De Paris, sou um eterno saudoso :)

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  7. :) Já estive no les deux margots e bebi um chá de pétalas de rosa :)

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    1. Quem gosta de Paris e da literatura sobre Paris, não passa lá sem ir aos Deux Magots, nêspera :)

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  8. gosto muito de Paris, mas não conheço a literatura (que sei vastíssima) sobre a cidade. em Paris andei sempre mais com os olhos no ar.

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Eu leio todos com atenção. Mas pode não ser logo, porque sou uma pessoa muito ocupada a preencher tempos livres!