...Formaram um círculo de vinte ou trinta à sua volta e agora cada vez apertavam mais o círculo...
...Em seguida e de um só golpe, a última barreira quebrou-se dentro deles e com ela o círculo. Precipitaram-se para o anjo, caíram-lhe em cima, prostaram-no por terra. Cada um queria tocar, cada um pretendia a sua parte, possuir uma pequena pluma, uma pequena asa, uma centelha do seu fogo radioso. Arrancaram-lhe as roupas, os cabelos, arrancaram-lhe a pele, cravaram-lhe as unhas e os dentes na carne. Atacaram-no como hienas.
Contudo, um corpo humano é duro e não se esquarteja facilmente, os próprios cavalos têm dificuldade em fazê-lo. Não tardou, igualmente, a divisar-se o brilho dos punhais que se abateram e cortaram; machados e facas silvaram ao atingir as articulações, ao quebrar os ossos estalavam. Num curto espaço de tempo, o anjo foi desmantelado em trinta bocados e cada membro da horda empunhou o seu bocado e, cheio de uma gula voluptuosa, afastou-se para o devorar. Meia hora depois, Jean-Baptiste Grenouille havia desaparecido da superfície da terra até à última fibra.
Quando, após terem terminado o seu repasto, os canibais se reencontraram à volta da fogueira, ninguém pronunciou palavra. Um ou outro soltava um arroto, cuspia um bocadinho de osso, produzia um estalido discreto com a língua, empurrava com o pé para as chamas um minusculo pedaço de tecido que restava da casaca azul. Estavam todos pouco à vontade e não se atreviam a encarar-se. Aqueles homens e mulheres tinham já na consciência um assassínio ou qualquer crime ignóbil. Mas comer um homem? Nunca na vida se teriam julgado capazes de uma coisa tão horrível. E admiravam-se, mesmo assim, por terem cometido aquele acto com tanta felicidade e não sentirem, à excepção da falta de à vontade, o mínimo peso na consciência. Pelo contrário! Tinham o estômago um pouco pesado, mas o coração alegre. Nas suas almas tenebrosas surgiu um repentino palpitar de alegria. E nos rostos pairava-lhes um virginal e suave brilho de felicidade. Era indubitavelmente esse o motivo por que receavam erguer os olhos e fitarem-se.
Contudo, quando se arriscaram a fazê-lo, primeiro de fugida e depois abertamente, não conseguiram reter um sorriso. Sentiam-se extraordinariamente orgulhosos. Era a primeira vez que faziam qualquer coisa por amor".
Extracto final de "O Perfume", de Patrick Suskind
Tenho a quase certeza de que todos/as vocês já leram este romance de Suskind. A maioria tê-lo-á certamente feito.
Portanto não me vou alongar na apreciação dos poucos parágrafos que vos deixo, muito menos do romance que conta a história trágica de Grenouille.
Como é domingo, para não aborrecer muito que é dia de lazer, só vos interrogo: pode-se matar por amor?
Ou matar pode ser, em algum caso, um acto de amor?
...Em seguida e de um só golpe, a última barreira quebrou-se dentro deles e com ela o círculo. Precipitaram-se para o anjo, caíram-lhe em cima, prostaram-no por terra. Cada um queria tocar, cada um pretendia a sua parte, possuir uma pequena pluma, uma pequena asa, uma centelha do seu fogo radioso. Arrancaram-lhe as roupas, os cabelos, arrancaram-lhe a pele, cravaram-lhe as unhas e os dentes na carne. Atacaram-no como hienas.
Contudo, um corpo humano é duro e não se esquarteja facilmente, os próprios cavalos têm dificuldade em fazê-lo. Não tardou, igualmente, a divisar-se o brilho dos punhais que se abateram e cortaram; machados e facas silvaram ao atingir as articulações, ao quebrar os ossos estalavam. Num curto espaço de tempo, o anjo foi desmantelado em trinta bocados e cada membro da horda empunhou o seu bocado e, cheio de uma gula voluptuosa, afastou-se para o devorar. Meia hora depois, Jean-Baptiste Grenouille havia desaparecido da superfície da terra até à última fibra.
Quando, após terem terminado o seu repasto, os canibais se reencontraram à volta da fogueira, ninguém pronunciou palavra. Um ou outro soltava um arroto, cuspia um bocadinho de osso, produzia um estalido discreto com a língua, empurrava com o pé para as chamas um minusculo pedaço de tecido que restava da casaca azul. Estavam todos pouco à vontade e não se atreviam a encarar-se. Aqueles homens e mulheres tinham já na consciência um assassínio ou qualquer crime ignóbil. Mas comer um homem? Nunca na vida se teriam julgado capazes de uma coisa tão horrível. E admiravam-se, mesmo assim, por terem cometido aquele acto com tanta felicidade e não sentirem, à excepção da falta de à vontade, o mínimo peso na consciência. Pelo contrário! Tinham o estômago um pouco pesado, mas o coração alegre. Nas suas almas tenebrosas surgiu um repentino palpitar de alegria. E nos rostos pairava-lhes um virginal e suave brilho de felicidade. Era indubitavelmente esse o motivo por que receavam erguer os olhos e fitarem-se.
Contudo, quando se arriscaram a fazê-lo, primeiro de fugida e depois abertamente, não conseguiram reter um sorriso. Sentiam-se extraordinariamente orgulhosos. Era a primeira vez que faziam qualquer coisa por amor".
Extracto final de "O Perfume", de Patrick Suskind
Tenho a quase certeza de que todos/as vocês já leram este romance de Suskind. A maioria tê-lo-á certamente feito.
Portanto não me vou alongar na apreciação dos poucos parágrafos que vos deixo, muito menos do romance que conta a história trágica de Grenouille.
Como é domingo, para não aborrecer muito que é dia de lazer, só vos interrogo: pode-se matar por amor?
Ou matar pode ser, em algum caso, um acto de amor?
Não quero sequer descobrir se mataria por Amor. Pensando friamente, acho que o ser humano tem em si essa capacidade (já que tem uma certa tendência para a violência). E já estava aqui a escrever um testamento, até que me pus a divagar sobre o que seria, de facto, matar por amor. Podia dizer-se tanto, mas no fim das contas só saberemos se algum dia passarmos por isso.
ResponderEliminar??? só se fosse por um amor perfeito amarelo ;)
ResponderEliminarPara mim, o amor está do lado da vida, do bem estar, do prazer, da alegria. Nada tem a ver com pulsões de violência, rancores, ou vinganças.
ResponderEliminarNem entendo as formas de "amar" em que as pessoas se arrastam em constante drama e sofrimento.
Vic, pegando nas suas palavras, matar não é, em caso algum, um acto de amor;é a forma mais extrema da negação do amor.
Deus nos livre de um ato assim!
ResponderEliminarTudo é possível. O ser humano é imprevisível, contudo só de pensar no assunto já me arrepio.
Não tenho dúvidas que mataria por um filho, porque sei que viraria bicho se mo magoassem.
Já sobre outro amor só se estivesse louca...sei lá.
Li este romance há um ano atrás. Devorei-o de uma só vez, eu que não aprecio policiais. Brilhante.
Nina
O livro é fantástico. O filme também não é mau.
ResponderEliminarJá em relação à pergunta, é tão subjectivo como imprevisível. Nunca sabemos do que somos capazes.
Adorei esse livro. Não sei se mataria por amor, mas não podemos prever os nossos actos.
ResponderEliminarNa altura em que havia a febre do Perfume, não sei já porquê, não o li. Tentei remediar a falta, vendo o filme. Desisti. Não consegui ver o filme, não sei se tenho estômago para ler o livro.
ResponderEliminarSobre a pergunta. Bem, para mim, amar implica respeito, logo quem ama respeita, inclusivamente o direito à vida. É-me muito mais um ato egoísta, quer seja matar por amor, quer seja morrer por amor (auto-infligido, entenda-se). Morrer é demasiado definitivo e a vida está sempre a mudar.
Não se deve matar, seja qual for a razão, muito menos por amor.
ResponderEliminarComo é que se justifica fazer algo tão mau por um sentimento tão belo como o amor? Se o fim for esse, então não é amor, é algo que já passou esse estágio e se tornou num fantasma negro.
Mas isto sou eu ;)
No caso do livro, trata-se de um acto desvairado, de uma população enfeitiçada e inebriada. Claro que na vida real, isso é mera ficção!
ResponderEliminarEm determinadas condições, acredito que toda a gente seja capaz de o fazer. Esperemos é que nunca seja o caso dessas condições se reunirem! :)
Não sei a resposta a essa pergunta. Mas adorei o texto!
ResponderEliminarLi o livro evi o filme.
ResponderEliminarConfesso que ambos me impressionaram.
Pode-se morrer por amor ou de amor, não dúvi do.
Matar por amor: não conheço nenhum exemplo enão consigo encontrar qualquer explicação no sentimento em questão que leve a matar outrém.
Agora matar sensações, pedaços de nós, passado, situções indesejáveis que se atranvacam à nossa frente: matemo-los, pois.
Jean-Baptiste Grenouille o "meu herói".
ResponderEliminarLi há muito o livro, confesso que prefiro o final do filme.
Grenouille o Amor. Grenouille mata por amor, ele não sabia o Amor, como a gente comum, banal, assim ele mata julgando amar.
Inocente o Grenouille, um herói incómodo.
De qualquer forma qualquer coisa como "Awesome":)
http://youtu.be/SzSjJ4qelcQ
Grenouille tem muito de comum com o Black Angel :)
ResponderEliminarrepara no final do livro e do filme, penso que perceberás :)http://pleasuredomedois.blogspot.pt/