O meu pai tinha uma voz timbrada, forte sem chegar a ser agreste, e um riso breve, mesmo o sorriso nunca demorava muito, era quase envergonhado. Num tempo em que um homem não chorava, penso que era como se o seu íntimo o avisasse que o sorrir seria um sinal de fraqueza. E no entanto, toda a gente o achava muito simpático.
Contava poucas estórias e repetia-as muito, tendo o hábito peculiar de as povoar com uns "e tal", como se em determinadas alturas lhe fugisse o fio condutor, recuperando-o logo a seguir.
Mas as repetições, longe de me aborrecerem, divertiam-me porque as estórias, a cada nova repetição, pareciam tomar uma feição diferente, tais as alterações que lhes introduzia. Penso mesmo que algumas, já tinham muito pouco a ver com o que tinha, na verdade, acontecido.
Depois, muitas daquelas pequenas "estórias", à força de tanto as ouvir, tornaram-se quase minhas, era como se tivesse sido eu a intervir nelas.
Nunca me esqueci da maldade que ele fez às mulheres que andavam a colher a azeitona e a quem ele no último dia, deu o jantar de despedida, em que as pobres comeram gato por coelho, e gostaram, o que não me admira, sabendo da mão do meu pai para o petisco. E ainda me recordo com um sorriso, o seu olhar divertido, de vanglória simples, contando que no fim, durante o serão de cantares e anedotas, lhes tinha denunciado a safadeza, e elas tinham tentado, em vão, livrarem-se metendo dedos à boca, do que já estava mais que digerido.
Curiosamente, as minhas conversas com ele, nunca atingiam um grau muito elevado de intimidade. Para ser justo, diria que, verdadeiramente, nunca discutimos assuntos muito delicados um com o outro, do foro privado, sobre política, ou qualquer outra questão. Mesmo dos meus gostos ele sabia muito pouco.
Quando lhe comuniquei que ia casar, respondeu-me com um sorriso. Quando lhe disse que ele ia ser avô, respondeu-me com outro.
Por vezes penso que erguemos entre os dois um pequeno muro, não para que a um ficasse vedado o acesso ao jardim do outro, mas para evitar que, mesmo inadvertidamente, pudéssemos pisar as flores um do outro. Sempre considerei aquilo como uma questão de respeito, embora de custos elevados.
Um amigo meu, que partilhava a minha paixão pelo basquete e que era meu companheiro de equipa, um dia decidiu dedicar-se à pesca.E ficou viciado. Quando soube gozei com ele. Senhor de um dinamismo que não me deixava ficar parado mais que breves segundos no mesmo lugar, não entendia como se podia estar ali um dia inteiro de cana estendida e regressar ao por-do-sol, com um sorriso de satisfação nos lábios e de saco vazio.
- Aquilo acalma. Devias experimentar. É o melhor exercício de relaxamento que há. Às tantas, não nos lembramos de mais nada, não temos pensamento. Portanto, não pensamos, adeus aborrecimentos, entendes?
Não entendia. Aquilo era demasiada monotonia para mim, um ser agitado por natureza.
- Depois, passa-se uma coisa curiosa quando vou acompanhado, sabes? Aquela imensidão azul ali à minha frente, tem um estranho efeito psicológico, é como se estivesse em confissão, logo eu que nem posso ver padres, desato a desabafar com o meu companheiro. Felizmente, têm sido sempre amigos suficientemente íntimos, porque nem te passa pela cabeça o que lhes tenho contado. Algumas coisas que nem a mim tinha coragem de confessar.
Nunca mais me esqueci daquela conversa, apesar de pensar que ele tinha empolado aquela questão das conversas com os companheiros do momento. Mas senti que seria interessante um dia experimentar aquela terapia.
Sobretudo, a partir daquele dia ficou-me uma mágoa, suave embora, por o meu pai nunca me ter levado à pesca
Contava poucas estórias e repetia-as muito, tendo o hábito peculiar de as povoar com uns "e tal", como se em determinadas alturas lhe fugisse o fio condutor, recuperando-o logo a seguir.
Mas as repetições, longe de me aborrecerem, divertiam-me porque as estórias, a cada nova repetição, pareciam tomar uma feição diferente, tais as alterações que lhes introduzia. Penso mesmo que algumas, já tinham muito pouco a ver com o que tinha, na verdade, acontecido.
Depois, muitas daquelas pequenas "estórias", à força de tanto as ouvir, tornaram-se quase minhas, era como se tivesse sido eu a intervir nelas.
Nunca me esqueci da maldade que ele fez às mulheres que andavam a colher a azeitona e a quem ele no último dia, deu o jantar de despedida, em que as pobres comeram gato por coelho, e gostaram, o que não me admira, sabendo da mão do meu pai para o petisco. E ainda me recordo com um sorriso, o seu olhar divertido, de vanglória simples, contando que no fim, durante o serão de cantares e anedotas, lhes tinha denunciado a safadeza, e elas tinham tentado, em vão, livrarem-se metendo dedos à boca, do que já estava mais que digerido.
Curiosamente, as minhas conversas com ele, nunca atingiam um grau muito elevado de intimidade. Para ser justo, diria que, verdadeiramente, nunca discutimos assuntos muito delicados um com o outro, do foro privado, sobre política, ou qualquer outra questão. Mesmo dos meus gostos ele sabia muito pouco.
Quando lhe comuniquei que ia casar, respondeu-me com um sorriso. Quando lhe disse que ele ia ser avô, respondeu-me com outro.
Por vezes penso que erguemos entre os dois um pequeno muro, não para que a um ficasse vedado o acesso ao jardim do outro, mas para evitar que, mesmo inadvertidamente, pudéssemos pisar as flores um do outro. Sempre considerei aquilo como uma questão de respeito, embora de custos elevados.
Um amigo meu, que partilhava a minha paixão pelo basquete e que era meu companheiro de equipa, um dia decidiu dedicar-se à pesca.E ficou viciado. Quando soube gozei com ele. Senhor de um dinamismo que não me deixava ficar parado mais que breves segundos no mesmo lugar, não entendia como se podia estar ali um dia inteiro de cana estendida e regressar ao por-do-sol, com um sorriso de satisfação nos lábios e de saco vazio.
- Aquilo acalma. Devias experimentar. É o melhor exercício de relaxamento que há. Às tantas, não nos lembramos de mais nada, não temos pensamento. Portanto, não pensamos, adeus aborrecimentos, entendes?
Não entendia. Aquilo era demasiada monotonia para mim, um ser agitado por natureza.
- Depois, passa-se uma coisa curiosa quando vou acompanhado, sabes? Aquela imensidão azul ali à minha frente, tem um estranho efeito psicológico, é como se estivesse em confissão, logo eu que nem posso ver padres, desato a desabafar com o meu companheiro. Felizmente, têm sido sempre amigos suficientemente íntimos, porque nem te passa pela cabeça o que lhes tenho contado. Algumas coisas que nem a mim tinha coragem de confessar.
Nunca mais me esqueci daquela conversa, apesar de pensar que ele tinha empolado aquela questão das conversas com os companheiros do momento. Mas senti que seria interessante um dia experimentar aquela terapia.
Sobretudo, a partir daquele dia ficou-me uma mágoa, suave embora, por o meu pai nunca me ter levado à pesca
O meu pai recorda uma promessa que o pai lhe fez em menino (comprar-lhe um sobretudo) e que, não tendo sido cumprida, ainda hoje a sente como mágoa.
ResponderEliminarNão sei o que é essa distância, porque tenho o privilégio de nunca a ter sentido, quer com o meu avô (que sempre vi como um pai), quer com o meu pai.
Recordo-me, também, de estórias contadas pelo primeiro, marotas muitas delas, e o quanto me fartava de rir sempre que as ouvia e de todas as que o meu pai ainda hoje conta.
Lembranças!:)
(e tu, levaste o teu filho à pesca?:))
Nina, a minha (muito pequena) magoa é por não ter ficado a saber mais dele. É como aquela coisa de dizermos que nunca são suficientes as vezes que dizemos a quem se vai o quanto gostamos dela.
Eliminar(é uma filha :). Acho que nunca foi preciso levá-la à pesca)
Que lindo texto, pleno de ternura e sabedoria. Boa semana meu querido Vic
ResponderEliminarBoa semana também para ti, Xuxi :)
EliminarDizem que a pesca tem esses efeito nas pessoas, que é muito melhor que ir ao psicólogo...
ResponderEliminarPior que ficarmos a saber pouco dos nossos pais, talvez porque também nunca perguntámos, é agora, depois da partida deles, ter tantas perguntas e não obter respostas... :(
Beijinho :)
Sim, isso é verdade, Maria :))
Eliminar.........è daqueles textos que pouco podemos acrescentar.....
ResponderEliminarEu hoje escrevi sobre algo que de alguma forma se encaixa no que escreves...nao na pesca mas na relação pais /filhos...
Nunca tentei pescar, mas so o mar já me tranquiliza ;)
Em mim, o mar ambém tem esse efeito terapêutico, Q. :)
EliminarOs pais são marcantes. Demais, para o meu gosto. Para o bem e para o mal, no entanto umas referências que não conseguimos incontornáveis.
ResponderEliminarHoje, o teu pai abriu-me feridas que pretendo saradas.
Talvez tenham de andar abertas até que os olhos se fechem, não sei.
Um beijo.
Lamento se fui culpado por algo menos agradável, Pérola. Mas a vida é assim, nunca conseguimos estar em plena harmonia :)
EliminarSuponho que os homens da geração do teu pai e do meu mantinham muitas vezes essa relação distante com os filhos, porque havia até um certo receio de mostrarem os seus sentimentos. Ou então não sabiam bem como o fazer.
ResponderEliminarQuanto à pesca, também não seria para mim! Depois de o pescar tinha de matar o peixe e essa parte... bem... digamos que não é para mim! Assim matar animais de propósito, só moscas, melgas, mosquitos, formigas e outras bicharadas que me entrem em casa, porque na rua são livres dos meus instintos bichocídas! :D
Mas o meu pai não tinha uma relação fechada comigo, Teté. Só não falávamos muito dee determinados assuntos, que se calhar agora gostaria eu de ter feito
EliminarFicámos sem saber se também chegaste a lá ir, à pesca.
ResponderEliminarFui ocasionalmente, Mam' Zelle, com amigos. Nunca me seduziu
EliminarPor causa desta história de pais e filhos lembro-me de uma muito minha, do meu pai e do pai dele.
ResponderEliminarO meu avô estava hospitalizado na cardiologia. Eu, apesar de pequena (5 anos), consegui ir com o meu pai vÊ-lo. Nesse dia pedi ao meu pai que a seguir queria ir jogar ténis. O meu pai prometeu-me que o faria assim que o avô saísse do hospital.
Nunca mais me levou ao ténis.
Trágica essa, Mesmica :(. Lamento
Eliminar