quinta-feira, 21 de junho de 2012

O Tango

     O ambiente era o habitual naquele tipo de casas, obscuro, por vezes pesado. Havia aquele fumo que sempre se escapava do bar onde se sentavam alguns ociosos fumadores aparentemente alheados dos outros, mas apesar disso, conseguiu distinguir as mesas ao fundo abandonadas pelo espaço de tempo que durava a dança. Foi-se detendo nos pequenos detalhes, gostava de conhecer bem os espaços onde se movia, mas de repente o olhar deteve-se: foi como se levasse um estalo e aquela calma cínica que aparentava, abalou-se.
     A visão tremeu-lhe com a miragem extraordinária da mulher, jovem, sem dúvida muito bonita, mas sobretudo, de um magnetismo fortíssimo, um apelo quase animal, que se lhe soltava dos olhos, tão escuros que parecia que a pupila, negra, ocupava mais espaço do que seria normal, dos lábios carmim entreabertos, do corpo, agressivamente feminino, que parecia conter-se para não saltar, inconformado, daquela prisão que constituía o vestido negro muito justo. E tão curto e com uma provocante racha que só se lhe fechava quase na estreita cintura, que com o cruzar de pernas lhe deixava as coxas morenas, completamente à mostra, de uma forma, para ele, extremamente perturbadora.
     O instinto chamava-o a ela. Mas aquela postura, aquele olhar decidido de quem parece saber que tem todos os homens na mão com um estalar de dedos, deixava-o indeciso, convivia mal com a contrariedade. Por fim decidiu-se. Fez-lhe um aceno e ela levantou-se com um sorriso. Sentiu um alívio de que nem soube a medida. Reuniram-se num dos cantos da pista de dança, e se ele se acercou dela cuidadoso, ela puxou-o a si, sem resquícios de algum pudor que se sente em relação a estranhos.
     Nessa altura, a pequena banda ensaiava um tango. “Caramba!Nem de propósito!“. Ela mandou desde o princípio, encaixou o seu corpo no dele, pareciam duas peças de puzzle, e ele pôde assim sentir-lhe o bafo quente no pescoço, os dedos dela que se lhe cravavam nas costas e o pressionavam contra si, o cheiro fresco de mulher jovem. E aqueles roçares de pele…
     Começou a sentir-se alterado, o pensamento de que havia coisas que se manifestavam sempre nos momentos mais inconvenientes atravessou-lhe o espírito, e o facto, de certo modo envergonhava-o, o que o levou a, suavemente, tentar afastar-se dela. Mas ela não lho permitiu e numa curva da dança, enfiou ainda mais acintosamente uma das pernas entre as dele, e ele sentiu-lhe o calor húmido das coxas, os seios palpitantes contra o seu peito, e os suores que se misturavam, escorrendo como capilares ribeiros. Desejava que aqueles minutos não passassem e paradoxalmente, parecia aquela dança prolongar-se por uma eternidade. E quando a música se calou, eles continuaram ainda por uns momentos a mover-se ao som de uma música que só soava nas suas cabeças. Naquela altura, no recinto já só existia um corpo a corpo febril, as carnes em ebulição.
     Quando se separou dela, sentiu-se desorientado, sem saber bem para onde ir. Ela virou-lhe as costas para voltar ao seu lugar, sorrindo da perceptível atrapalhação dele, um sorriso gaiato. Conhecia bem o poder que detinha sobre os homens, não que lhe atribuísse muita importância, mas achava divertidas aquelas situações. Fazia-se tarde, e decidiu ir-se embora. Subiu as escadas que conduziam à saída da mesma forma excitante que dançava. Todos os olhares se voltaram para ela, mesmo os de algumas mulheres, ciumentas talvez da forma como os seus parceiros olhavam aquelas ancas perfeitas e provocantes. Todos a olharam menos ele. que ainda procurava, aturdido, a sua mesa. Quando por fim a encontrou, voltou a percorrer a sala com o olhar e notando-lhe a falta, sentiu-se ainda mais confuso. Ter-lhe-ia desagradado?
     Recuperou a compostura, procurou saber junto de um dos empregados do bar, aquele que lhe parecia mais discreto, se sabia dela. Que não, que a via algumas vezes por lá, que dava nas vistas, mas nunca saía acompanhada.
     Estava decepcionado, mas ao mesmo tempo determinado. E no dia seguinte voltaria. Tinha a noção que o seu futuro estava indelevelmente ligado àquele tango.

29 comentários:

  1. É por estas e por outras que eu tenho de aprender a dançar. E fazer uma dieta rigorosa. E muito exercício físico. E mais uma série de coisas que agora não vêm ao caso. (suspiro)

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  2. E estava?:)
    O tango é, a meu ver, a dança mais sensual de todas as danças latinas...e nem precisa de ser na vertical. (mais não digo!:))

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    1. Nunca se sabe (resposta à pergunta)
      Sobre o resto...hum...é melhor mesmo não acrescentar nada, Nina :)

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    1. As mulheres são todas cativantes, S*. Basta quererem :)

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  4. E olha que deve ser mesmo difícil, segurar uma data de homens na mão e estalar os dedos ao mesmo tempo.

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    1. Isso já não sei Rafeiro. Sou homem, não tenho experiência. :)

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  5. Gostei desta moça. Sabe que dá nas vistas. Usa, de forma inteligente, o seu poder de sedução. E acaba por nunca sair acompanhada.
    Vai até onde quer. Diverte-se e acaba por deixar os homens a chupar no dedo ;)

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    1. Muito bem, Mam'Zelle, mas a verdade é que a maior parte das mulheres quer compromisso :)

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  6. Adoro Tango e quando dançado por alguém tão sensual, não há género masculino que resista :)

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  7. Adorei o texto!!


    http://placequotehere.blogspot.pt

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  8. Futuro e tango, soa bem. :) É uma pena que eu nem o raio do merengue, que é tão básico, consiga aprender.

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    1. Dança o samba, Alexandra, que esse não tem mesmo nada que saber :)

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  9. No tango só sei que se viram as cabeças com tanta destreza que parece que vamos partir o pescoço.
    E como ávida leitora de livros, fiquei à espera de mais, histórias em suspenso dá-me cabo do juizo :P

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    1. Pois é, Sufocada. Mas eu sou um fã do Hitchcock :)

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  10. Este comentário foi removido pelo autor.

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  11. Não fosse o tango uma das danças mais sensuais e fascinantes...

    Big Kisses

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  12. Essas tuas personagens têm (quase) sempre uma característica em comum, mal veem uma fulana jeitosa: entusiasmam-se rapidamente! :)))

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    1. Teté, há situações em que determinadas características do homem vêm logo ao de cima :)

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  13. Já percebi porque te aperaltaste. Vais dançar o tango.
    Já sei que ela é irresistível.
    Entendo-te, caro Vic.
    Tenta manter a presença de espírito e, desta vez, tenta o diálogo.
    Quem sabe o futuro...
    Um beijo
    P.S. Não te esqueças que quero o relatório completo.
    Fico em pulgas com histórias sem fim.

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    1. Nem sei dançar o tango, Pérola :)
      Do resto, são só suposições tuas. O único diálogo desse género que faço é com a minha mulher, eheheh
      PS - O relatório, só se for na 3ªpessoa :)

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  14. Texto muito bom! Quase que fiquei com vontade de apreender a dança (confesso, é um desejo antigo)

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    1. Já há muitas escolas, Sue. Além disso, dizem que a dança substitui a ginástica com vantagem :)

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Eu leio todos com atenção. Mas pode não ser logo, porque sou uma pessoa muito ocupada a preencher tempos livres!