Os Coristas - Christophe Barratier (2004)
A vida não é só poesia,mas o filme que aqui vos trago hoje tem em si muita, Implícita, pelo menos.
Chama-se "Os Coristas".
É um filme de um lirismo extremo e deixou-me de olhos bem abertos, espantados.
E acudiu-me a ideia de como o perfil dos meus "heróis" tanto tem mudado à medida que a minha idade me vai transformando. Porque para mim, aquele simples professor de música, que passará toda a sua vida a ensinar anonimamente, sem fazer questão de receber outra paga que não seja a dedicação dos seus alunos à música, ficou a ser um dos meus “heróis”.
Quando era garoto, o meu imaginário era povoado pelo ladrão de Sherwood que roubava aos ricos para dar aos pobres, ou pelos Cavaleiros de Artur, pelas personagens do Oeste selvagem protagonizadas por John Wayne, e nunca me esqueci da cena de pancada vencida por Alan Ladd no "Shane", nem do Errol Flynn corsário de todos os mares. Depois, só talvez o inesquecível Indiana Jones tenha tido para mim, o mesmo fascínio. O cinema foi evoluindo (claro que há grandes marcos que ficaram como filmes de uma vida plena deles, como Citizen Kane, Casablanca, Sunset Boulevard, Morte em Veneza ou As Asas do Desejo ou qualquer um de Hitchcock, mas aí, fala mais alto a obra, que não o protagonista) e com ele fui eu crescendo.
Fui deixando de me impressionar com os efeitos especiais, com as gestas heróicas, e fui retendo mais os heróis anónimos, talvez porque na sua simplicidade se aproximem mais de mim, talvez porque lhes sinta melhor os dramas, os sinta mais humanos, mais alcançáveis. Creio mesmo que a idade nos vai criando fragilidades e são elas que nos permitem entender melhor estes caracteres.
Suponho que a minha primeira destas figuras terá sido o vagabundo de Charlie Chaplin, que na sua miséria extrema toma a seu cargo o órfão ainda mais miserável que ele. Vi esse e outros filmes dele, quando ainda usava calções. E lembro-me. Mas tenho a certeza que a plena emoção ao vê-los, só a atingi já adulto. Mais tarde, principalmente nos últimos anos – por vezes parece-me que o cinema, principalmente o europeu, se vem a humanizar cada vez mais – a minha galeria de heróis anónimos, aqueles que me conseguem tocar nas cordas mais profundas da alma, foi crescendo. É assim que me surge Alfredo, o conselheiro de Salvatore e extraordinário projectista de Cinema Paraíso que viverá para sempre na minha imaginação, e no meu coração, mesmo ao lado de Mário Ruoppolo, o espantoso Carteiro, de Pablo Neruda. Confesso que tinha os olhos rasos quando acabei de ver qualquer dos filmes, mas como sei que um homem não chora fiquei por aí.
Mais tarde, passei pela vida de Malena - de que aqui falarei um dia destes - e a sua busca da felicidade, contra a incompreensão de uma sociedade preconceituosa e retrógrada, e também pela de Guido, o pequeno judeu de Begnini em “A Vida é Bela”, que oculta ao filho com mentiras piedosas a monstruosidade que o rodeia.
Durante a última década, ficaram comigo fabulosa Amélie e a sua extraordinária e mágica história, o pobre amante Benigno, de Habla com Ella, de Almodôvar, e o fragilizado psiquiatra e pai Giovanni de O Quarto do Filho, essa espantosa e sofrida obra prima de Nani Moretti, de que já aqui falei.
Agora, a todos eles, juntei Clément Mathieu, o professor de música de Font de L’Étang, com a sua generosidade ímpar, o seu amor à música e às crianças. São estes os meus heróis, modestos, simples, atingíveis, até frágeis, pecadores. Mas todos extraordinariamente humanos, incapazes daqueles prodígios dos meus heróis de outros tempos.
Numa altura em que este espaço dos blogs é cada vez mais interactivo (e ainda bem, sinal que cada vez está mais dinâmico), e que se lançam desafios, muitos deles bastante interessantes e que tenho verificado virem a ser correspondidos por muitos de vocês, gostava de vos deixar mais este, sobre a forma como se vai alterando a nossa visão em relação a estes personagens, ficcionados é certo, mas que vão entrando nas nossas vidas como se fossem reais.
Quando era garoto, o meu imaginário era povoado pelo ladrão de Sherwood que roubava aos ricos para dar aos pobres, ou pelos Cavaleiros de Artur, pelas personagens do Oeste selvagem protagonizadas por John Wayne, e nunca me esqueci da cena de pancada vencida por Alan Ladd no "Shane", nem do Errol Flynn corsário de todos os mares. Depois, só talvez o inesquecível Indiana Jones tenha tido para mim, o mesmo fascínio. O cinema foi evoluindo (claro que há grandes marcos que ficaram como filmes de uma vida plena deles, como Citizen Kane, Casablanca, Sunset Boulevard, Morte em Veneza ou As Asas do Desejo ou qualquer um de Hitchcock, mas aí, fala mais alto a obra, que não o protagonista) e com ele fui eu crescendo.
Fui deixando de me impressionar com os efeitos especiais, com as gestas heróicas, e fui retendo mais os heróis anónimos, talvez porque na sua simplicidade se aproximem mais de mim, talvez porque lhes sinta melhor os dramas, os sinta mais humanos, mais alcançáveis. Creio mesmo que a idade nos vai criando fragilidades e são elas que nos permitem entender melhor estes caracteres.
Suponho que a minha primeira destas figuras terá sido o vagabundo de Charlie Chaplin, que na sua miséria extrema toma a seu cargo o órfão ainda mais miserável que ele. Vi esse e outros filmes dele, quando ainda usava calções. E lembro-me. Mas tenho a certeza que a plena emoção ao vê-los, só a atingi já adulto. Mais tarde, principalmente nos últimos anos – por vezes parece-me que o cinema, principalmente o europeu, se vem a humanizar cada vez mais – a minha galeria de heróis anónimos, aqueles que me conseguem tocar nas cordas mais profundas da alma, foi crescendo. É assim que me surge Alfredo, o conselheiro de Salvatore e extraordinário projectista de Cinema Paraíso que viverá para sempre na minha imaginação, e no meu coração, mesmo ao lado de Mário Ruoppolo, o espantoso Carteiro, de Pablo Neruda. Confesso que tinha os olhos rasos quando acabei de ver qualquer dos filmes, mas como sei que um homem não chora fiquei por aí.
Mais tarde, passei pela vida de Malena - de que aqui falarei um dia destes - e a sua busca da felicidade, contra a incompreensão de uma sociedade preconceituosa e retrógrada, e também pela de Guido, o pequeno judeu de Begnini em “A Vida é Bela”, que oculta ao filho com mentiras piedosas a monstruosidade que o rodeia.
Durante a última década, ficaram comigo fabulosa Amélie e a sua extraordinária e mágica história, o pobre amante Benigno, de Habla com Ella, de Almodôvar, e o fragilizado psiquiatra e pai Giovanni de O Quarto do Filho, essa espantosa e sofrida obra prima de Nani Moretti, de que já aqui falei.
Agora, a todos eles, juntei Clément Mathieu, o professor de música de Font de L’Étang, com a sua generosidade ímpar, o seu amor à música e às crianças. São estes os meus heróis, modestos, simples, atingíveis, até frágeis, pecadores. Mas todos extraordinariamente humanos, incapazes daqueles prodígios dos meus heróis de outros tempos.
Numa altura em que este espaço dos blogs é cada vez mais interactivo (e ainda bem, sinal que cada vez está mais dinâmico), e que se lançam desafios, muitos deles bastante interessantes e que tenho verificado virem a ser correspondidos por muitos de vocês, gostava de vos deixar mais este, sobre a forma como se vai alterando a nossa visão em relação a estes personagens, ficcionados é certo, mas que vão entrando nas nossas vidas como se fossem reais.
"Serão os nossos heróis cada vez mais humanos?"
Não sei dizer se tenho heróis, no sentido em que falas, pelo menos nos filmes. Só sei que algumas das pessoas que mais admiro são, todas elas, humanas, isto é, reais, sem ficção. :))
ResponderEliminarNão respondi propriamente, preciso de refletir sobre o assunto.
Bem, eu atribui-lhes o titulo de heróis no sentido juvenil, entendes? Quando somos miúdos todos temos aqueles heróis de banda desenhada, mais ou menos por aí.
EliminarOK, reflete :)
Vic, ainda não vi alguns dos filmes que aqui refere mas partilho consigo a comoção que o filme do Nani Moretti provoca ou a doçura triste do filme de Chaplin.
ResponderEliminarRecentemente vi um filme já antigo, a conselho de quem entende e ama o cinema mais que eu, o "1900", uma saga extraordinária que me ajuda a responder, sem hesitação, afirmativamente.
Os verdadeiros heróis são profundamente humanos,imperfeitos, cheios de dúvidas e temores, luz e sombra.
Grande filme (até em extensão), o 1900 do Bertolucci. E excelentemente interpretado. Um pedaço de história que toda a gente deveria ver, para que certas coisas não se repetissem, Margarida,
EliminarAdoro...o filme e a banda sonora.
ResponderEliminarOs meus heróis sempre foram muito humanos, mesmo os de BD. Adoro o Corto Maltese, não só porque não era desumanizado com poderes sobrenaturais, mas também porque não era só bonzinho, ele sobrevivia diplomaticamente à guerra negociando com ambos os lados....Quanto aos filmes : Cinema Paraíso, O Carteiro de Pablo Neruda, A vida é Bela, Amélie, os do Chaplin e todos os que referiu estão na minha lista...acrescentava, pois penso que não estão "O meu Tio" e todos os filmes com o Tati que adoro, o Amarcord do Felini (que é o melhor a retratar os heróis quotidianos), África Minha, Forrest Gunp, I am Sam e já que tenho andado a pensar na visão o Dancer in the Dark com a Björk. Todos com personagens bem reais que com as suas limitações e "pecados" são heróis à sua maneira.*
Sim, Tétisq, podia acrescentar muitos. Vi todos esses, excepto o Dancer in the Dark, O Forrest Gump é um dos filmes da minha vida, tal como As Férias do Sr. Hulot, a verdadeira comédia em todo o seu esplendor :)
EliminarBem, voltei com umas quantas personagens que me tocaram pela sua humanidade. :)
ResponderEliminarComeços por Ilaria Occhini, a Nonna em 'Uma família moderna', porque já me identifiquei tanto com ela que houve cenas do filme que já foram do filme da minha vida; Kathy H. em 'Nunca me deixes', pela persistência em encontrar respostas e, quando as encontrou e elas não foram o que esperava, continuar a ajudar os outros a aceitar a realidade como ela era; Tom Hanse em '500 dias com Summer'; T. J. em 'Hesher', um dia o rato faz frente à cobra e ela não o come; Mulher do médico em 'Ensaio sobre a cegueira', ver o que ninguém vê ainda é tarefa difícil; Ellen Page em 'Juno' e Ofélia em 'O labirinto do Fauno'.
Acho que era isto, certo? :)
Sim, embora nalguns desses filmes,talvez dada a sua menor projecção, os "heróis" sejam menos visíveis. Por exemplo, há pelo menos dois desses filmes que nunca vi, o que se me torna difícil uma apreciação.Embora pelo que descreves, tudo me leve a uma conclusão positiva :)
EliminarTenho a certeza que sim, à medida que a idade vai avançando! Porque enquanto crianças era a aventura, as lutas de espadas ou entre índios e cowboys que nos divertia e encantava, mas começámos a ter mais consciência do "outro" herói que luta como pode e sem tanta galhardia, para conseguir os seus fins, que por vezes nem são prodigiosos, mas o dele próprio, para se superar... :)
ResponderEliminarEste filme não vi, nem alguns dos outros, com muita pena minha!
Sim acho que é por aí, Teté.
EliminarSe puderes vê o filme. É mesmo muito bonito :)
Adorei Os Coristas e Amélie é, sem dúvida, a personagem com a qual mais me identifico, de todas as personagens de todos os filmes que já vi. Não posso deixar de reparar que são dois filmes franceses. Ah pois! ;)
ResponderEliminarNão sei se os heróis são cada vez mais humanos. Agora, em relação a mim, prefiro e emociono-me mais, sem dúvida, com heróis que poderiam ser o meu vizinho do lado.
Já viste o filme Le petit Nicolas, de Laurent Tirard? Também é um excelente filme. E francês, claro está! :p
Mam'Zelle, sempre gostei muito do cinema francês - um dos meus actores favoritos é o Jean Paul Belmondo, outro o Jacques Tati - e não sei porquê, imaginei que te identificasses com a Amelie.
EliminarNão vi o Lê petit Nicolas. Vou procurar na Fnac, mas duvido que encontre. Contudo, como espero ir a Paris ainda por estes meses, talvez encontre lá.obrigado pela dica :)